quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Dignidade

Ele não tinha saída. Envelhecia cada dia mais e nada podia fazer a respeito, a não ser viver o melhor que podia. Tinha sorte: a lucidez. Escrevia, lia, ia ao cinema, recebia amigos (os ainda vivos) para almoçar e tinha na filha a melhor amiga.
Mais do que amiga, ela era também a conselheira, o incentivava a sair e o ajudava a se manter financeiramente – apesar de ainda se orgulhar de alguns poucos trabalhos e lançamentos que apareciam.
Se dava ao luxo de manter uma certa vaidade. Os cabelos brancos, a barriguinha saliente, as rugas... tudo desaparecia por completo quando começava a falar com uma mulher bonita, quando percebia que ainda tinha charme, que ainda fazia a bela sorrir e corar. Nessa hora, era jovem. Nessa hora, era feliz.
Por isso, ficou verdadeiramente encabulado quando teve de perguntar ao seu médico cardiologista se poderia voltar a tomar Viagra. Na frente da sua filha, pegou realmente mal. Mas o que faria se agora ela o acompanhava em consultórios, visitas, laboratórios? Ele precisava falar – já que (graças a Deus) ela não o acompanhava em todos os lugares.
Infelizmente, seu médico negou qualquer possibilidade. Decepcionado, rezou para que ela nunca comentasse nada. Ela, respeitosamente, calou. Em casa, ele teria outras possibilidades, mesmo sem o remédio, pensou.
Ela foi para o trabalho e ele se trancou no quarto, ligou a TV e procurou seu canal particular (como gostava de pensar). Nada. Não achou. Procurou na revista da tv por assinatura o número do canal, digitou e nada aconteceu. Cancelaram? Mas por quê?
Ligou para a filha. Ela resolveria. Pediu para que ela ligasse na empresa e reclamasse. Ele queria todos os canais - enfatizou ao telefone. Ela foi até a casa do pai, mostrou que todos estavam lá. Filmes, desenhos, jogos, tudo. O que mais ele queria?
Aos 83 ele cansou. Decidiu que não tinha porque negar, inventar, tentar explicar... estava (claramente) velho demais para isso. Então, respirou fundo, reuniu a coragem, recolheu o orgulho e disse: Falta o canal da Playboy, filha. Preciso dele.
Paciência. Precisava viver o tempo que lhe restava com dignidade (ao menos a masculina).

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