quinta-feira, 24 de maio de 2012

Epifania


Tudo o que revemos se torna novo, de novo. É como aquela velha frase: o rio nunca mais será o mesmo, muita água passou e a gente também mudou.
Rever, reviver, revisitar... nos faz perceber o quanto mudamos ao longo do tempo. Um livro não terá a mesma percepção quando relido. Um filme, uma série ou, até, um grande amor.
Como na música do Jorge Drexler: “nada se pierde, todo se transforma”. Verdad! E a transformação pode nos trazer grandes revelações, que no primeiro momento ninguém viu. Quase como uma epifania – com o perdão do exagero cristão.
Sob um novo olhar podemos ver para que lado o amor foi. Aquela sensação de que aquilo que nunca se entendeu direito, se torna completamente simples e até banal. Passa a ter sentido. E o mais bobo de tudo: percebemos que não fomos os únicos a se sentir assim. O cinema já explicou e encenou o que você viveu muitas vezes. As séries também mostraram, e os livros continuam contando, e contando, e contando... Além disso, com o tempo você ainda passa a relacionar a sua história com a de outros milhares amigos, e amigos de amigos... Afinal, se todo mundo já passou por isso, o que era tão especial nela?
Não, não havia nada de inédito. Nenhuma grande frase que nunca foi dita, nenhum “eu te amo” tão surpreendente, nenhuma filosofia que não fosse (até) um pouco barata.
Pense nas histórias: Quantas vezes não ouvimos que homem incapaz de assumir um compromisso, se casa com outra poucos meses depois? Quantas vezes o lado seguro de alguém cheio de opiniões não fez com que o outro sentisse uma insegurança tamanha, que o fez desistir? Quantas vezes alguém importante parou de ligar, de escrever, de mandar sinal de fumaça, sem mais explicações? Quantas vezes não vimos essas histórias se repetirem em um masoquismo constante – no cinema, nas séries e, claro, na vida?
Não há nada de amargo nisso. Nenhuma mágoa embutida no contexto. Nenhum novo sentimento, são apenas os velhos – revisitados em uma conversa de bar, com várias histórias parecidas.
Depois de alguns anos, entendemos que nem sempre somos valorizados como deveríamos. Entendemos que algumas pessoas simplesmente não enxergam como vemos. E que isso não se chama medo, não se chama falta de amor... não tem nome. Não é nada. Nada. Nada mesmo.
É só a água de um rio que passou. E que, da próxima vez, você promete se posicionar em outro lugar da margem – quem sabe o ineditismo finalmente acontece? 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

20 anos depois


Acordou cedo e desceu a serra. Já no carro, percebeu que aquele não seria um dia comum. Até as músicas pareciam fazer parte da trilha sonora de um cenário que não esperava reconhecer tão bem. Quando chegou ao seu destino e entrou pelos grandes portões de ferro, percebeu: tinha voltado no tempo. Apesar do salto que antigamente não usava, das roupas mais modernas, da falta do aparelho nos dentes e do corte de cabelo... tinha certeza: estava com 13 anos de novo. Seria possível?
Em cada passo que dava, aquilo se confirmava. Os muros tinham as mesmas cores, o chão ainda era o mesmo. As quadras estavam reformadas, mas mantinham o mesmo estilo... e, olhando cada rosto que ali estava, veio a confirmação chocante: era 1992!
Claro que a máquina do tempo não foi completamente perfeita. Deixou os cabelos brancos, apresentou algumas rugas, mudou o formato físico de muitos de nós. Mas, juntos, ali, naquela escola, ainda éramos os mesmos.
Parecia que o espaço de tempo que nos afastou foi apagado. Uma grande dobra colou o fim 1992 para o início de 2012. 20 anos de histórias paralelas, em que a intimidade não se perdeu.
Mas, perdemos, claro, nossas atualizações. Depois de informados, passamos a fazer coisas bem mais importantes do que falar da vida atual: explorar as antigas salas de aula, o laboratório de ciências (dessa vez sem choque), mexer com os esqueletos, tirar fotos de bobagens, tirar sarro com as etiquetas que usávamos – totalmente desnecessárias, percebemos depois.
Ali, naquele colégio de freiras, estavam os primeiros amores, os beijos escondidos, as fofocas sobre as madres, as colas, as provas, os campeonatos de futebol, de handball, os convites dos bailinhos... Nos corredores se escondiam as loiras dos banheiros (agora novos), as fugas das aulas, algumas brigas, a ida para a diretoria. Na capela, a oração semanal, sempre com risadinhas sobre confissões, declarações... tudo sem culpa – e, por isso, fomos perdoados!
Antes de entrar nessa tal máquina do tempo achei que estava livre dessa saudade. Depois de encontrar essas pessoas, muitas delas com mais de 20 anos de total ausência, percebi o quanto elas me fizeram falta. Vi que é possível – e muito fácil – resgatar sentimentos. Naquele sábado, provamos que (pelo menos) aquela juventude não está perdida. Ela só parou de se encontrar.
Agora sei que podem passar mais 20, 30, 50 anos. Ainda teremos os mesmos 13 anos de bobeiras, inseguranças e muitas risadas. Ainda bem! 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Antes de cair, diga!


Ele entrou correndo no metrô. Estava atrasado, prestes a perder o emprego. Seu chefe não aguentava mais olhar na sua cara. Não podia culpá-lo. Não se empenhava mais como antes. Na verdade, sua motivação acabou quando perdeu o cargo de coordenador para um cara que entrou depois dele. Um protótipo de babaca de terno – quem usaria terno dentro de uma gráfica? Esse babaca usava.
Não, ele não lidava com cliente, era um cara de logística – assim como ele. Quando o chefe pediu a atenção de todos, há mais ou menos duas semanas, acreditou que havia chegado sua hora. Viraria chefe do departamento. Mais de 3 anos trabalhando, sem gravata, mas com suor. Merecia a gratificação, o reconhecimento da sua dedicação. Qual não foi a sua surpresa ao ver que o terno venceu. O gel no cabelo odioso e seboso, ganhou seu trabalho.
Então... para quê chegar na hora? Nada faria seu chefe olhar a burrada que fez. Ao invés disso, decidiu cair na balada. Chega de pensar só em uma carreira imbecil. Era hora de se divertir. Mas, em uma semana de gandaia, conheceu A mulher. E como todas as ironias do destino – quando uma área da sua vida não vai bem, a outra começa a andar.
Foi assim. Seu emprego indo para o ralo, e o amor que sentia estava com as melhores cotações no mercado. A logística disso, não andava nada bem. Ele não se importava. Queria ligar, beijar, dizer que amava. Entrou de cabeça, corpo e alma nessa entrega.
E, atrasado, dentro do metrô, depois de mais uma noite de amor, ainda pensava nela. Só nela. Precisava dizer o que ainda não havia dito. Queria ouvir sua voz, antes de mandar o chefe a merda. Ligou. Poucas palavras depois, a ligação começou a cortar. Não podia perder o momento da coragem. Sem medo, decidiu ser direto, rápido: “Se cair, te amo”. E caiu. 

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A esperança é louca, mas beija


Há anos eu espero pelo beijo deles. Todas as vezes que os vejo – e vi muitas vezes – torço para que o final seja diferente. Mesmo sabendo que não vai acontecer, me vejo ansiosa pelo fim. Aguardo o sorriso perto do rosto, aquele olhar dentro do olho, a certeza de que o amor existe e vale a pena.
Acho que a minha certeza de um dia ver um final diferente, mostra como a esperança é mesmo boba. Na verdade, ela é louca de pedra. Vai contra todos, contra o óbvio, contra todas as possibilidades. Ela é a mais paciente de todas. A louca.
E, pensando no beijo que nunca havia visto, tudo se comprova de maneira clara. A esperança pode mesmo mudar tudo. Transformar o mundo e ganhar o pico das montanhas. Demora, claro, mas ela chega lá.
Tudo isso para dizer que, apaixonada pelo romance de Mark Darcy e Lizzie Bennet, de Orgulho e Preconceito, esperei (todas as vezes, e por anos) pelo beijo final. Assistia o meu velho DVD, lutando que o fim fosse diferente e alguma coisa acontecesse ali. Duas horas de espera e... nada! O final nunca mudou para mim.
Voltando de um casamento lindo, com o romance à flor da pele, nos poros, na veia... e a vontade de torcer (mais uma vez) pelo beijo do casal do cinema – mesmo sabendo que nada aconteceria.
Mas, no carro, com amigos e companheiros de viagem e bobagens, a descoberta: faixa bônus, com final alternativo! Seria mesmo possível? O beijo sempre esteve ali e eu nunca vi? Chegando em casa... o beijo! Meu mundo ficou (quase) completo. O romance existe mesmo! Mas, ouso dizer, só acontece para quem tem esperança! Sem a louca, nada feito! Pode acreditar!