terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O trabalho de estar vivo

O mundo entrou num colapso e não há nada que nós possamos fazer. De repente votar na estrela, no tucano ou no verde ficou tão pequeno perto do resto. Ficamos insignificantes perto de problemas muito mais sérios. Problemas que não sabemos (ou podemos) resolver.
A história começa aqui mesmo. As chuvas são incontroláveis e os desastres também. Se está no morro, na encosta, creia: quem vence é a natureza. Não duvide. Se duvidar, ela faz questão de provar. As árvores caem, o trânsito alcança quilômetros nunca antes vistos. As cidades ficam debaixo (literalmente) d`água.
Aí, começamos a rodar o planeta e vemos nevascas, terremotos com escalas altíssimas, gente soterrada, gente sem poder sair de casa, gente sem família... Não tem chuva, mas é tudo natural. Vem da natureza e destrói. A natureza vence novamente.
E quando a natureza é humana? Guerra civil. Homens e mulheres revoltados vão para as ruas derrubar ditadores. Usam a internet como arma. Muitos mortos e feridos depois... vencem. Mas a qual preço?
Seguindo a mesma onda, outro país começa o mesmo tipo de guerra, dessa vez, civil e militar. Governantes fogem, mas garantem com armas, força e aviões que ainda estão no poder. Fato que mistura religião, governo e população, numa miscelânea fadada ao fracasso.
Enquanto isso, em outra parte, a crise e os ataques sempre continuam em busca da terra santa, prometida, sabe-se lá.
Apesar de tudo isso, ainda tem gente que garante que o fim do mundo virá em 2012, quando os maias (povo extinto, diga-se) cansaram de fazer a conta. Realmente o mundo acabou pra eles, assim como está acabando para muitas pessoas com fenômenos, revoltas, governos e crenças.
O mundo não vai acabar, ele já está acabando. Todos os dias e cada vez mais. Se vão restar pessoas; se poderemos fazer alguma coisa para ajudar; se vamos todos nos juntar para salvar alguém ou todo mundo, eu não sei. Mas sei que, se vamos ficar por aqui (ao menos por enquanto), teremos muito trabalho pela frente.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Amor, de tarde

Em um de seus lindos momentos de amor, quando descreveu que olhar no relógio é triste, simplesmente porque está só... Ah, se o grande amor estivesse! Ah! Quanta coisa faria, quanta risada daria, quanta vida teria! Ah! o amor...

Amor, de tarde
Mario Benedetti

Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las cuatro
y acabo la planilla y pienso diez minutos
y estiro las piernas como todas las tardes
y hago así con los hombros para aflojar la espalda
y me doblo los dedos y les saco mentiras.

Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el rejoj y son las cinco
y soy una manija que calcula intereses
o dos manos que saltan sobre cuarenta teclas
o un oído que escucha cómo ladra el teléfono
o un tipo que hace números y les saca verdades.

Es una lástima que nos estés conmigo
cuando miro el reloj y son las seis
podrías acercarte de sorpresa
y decirme "¿que tal?" y quedaríamos
yo con la mancha roja de tus labios
tú con el tizne azul de mi carbónico.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O estar e não estar de Saramago

Com 60 anos ele decidiu escrever. Deu certo. Com 63 ele conheceu a mulher da sua vida. Deu certo. Aos 86 estava cansado, mas continuou produzindo. Sua cabeça não morreu, seus livros eternizaram sua inteligência e seu amor o fez morrer jovem. Muito jovem.
Se a morte para ele era o estado de “estar e já não estar”, enquanto “estava” aproveitou. Viveu, escreveu, brincou e amou muito. Amou uma mulher forte, uma espanhola que organizava sua vida e que tardou em chegar (como ele mesmo escreveu). Uma mulher e tanto. Um pilar na vida do escritor. Pilar, Pilar...
Com frases cheias de humor e o coração cheio de amor, Saramago viajou o mundo autografando, falando e fingindo ser inteligente (segundo ele próprio, numa humildade desnecessária). Sua fé (que nunca existiu), se coloca um pouco em dúvida já no fim da vida (talvez por medo, talvez por esperança) e avisa o óbvio: “o que tiver de ser, será” e “quem quiser, crê. Acabou-se”.
A velhice nunca chegou até ele, mas alcançou seu corpo. Descrevia que ser velho é “sentir a perda irreparável que é o acabar de cada dia”. Assim como garantia que o universo nunca se dará conta de que nós existimos, pois “nunca conseguimos fazer da vida mais do que o pouco que ela é”.
Assistir ao filme José e Pilar me fez louvar não somente o brilhantismo de Saramago, mas ver também o quanto o amor é mesmo poderoso. Tão significativo que não precisa da fé. Simplesmente porque a fé já está dentro dele. Vem junto no pacote completo do amor.
Se José esteve e já não está, seu amor continua por Pilar e nos faz querer viver alguma coisa parecida. Sem pensar em idade... só em felicidade.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Vida mais clichê

A história é clássica. Quase um clichê dentre todas as histórias que já vimos e ouvimos em um relacionamento. Anos juntos, amor incondicional, paixão, blábláblás sem fim cheios de promessas e planos. Até que o fim vai ficando mais claro a cada dia.
Brigas, discussões... tudo que antes era lindo, passa a ser meio chato. O jeito dele ser independente demais, encantava no início, até que você passa a perceber que esse mesmo jeitinho está te deixando cada vez mais sozinha.
Naquela noite fria de inverno (a mais fria do ano) você estava só porque ele precisava pensar na vida. A festa do seu melhor amigo aconteceu bem no dia em que o trabalho o deixou sem humor nenhum. Happy hour dia de semana? Só se for em voo solo, porque acompanhado no way! Dia de semana é dia de trabalho, cervejas na frente da TV, ou academia e... sono profundo. E aí... você vai vendo que está, na verdade, sozinha há muito tempo (talvez desde o início). Só custou a perceber.
Então, logo está tudo terminado e não há mais o que fazer. Na verdade, você sempre soube que não teria futuro (porque não é isso o que você espera da vida) e tudo acaba num vale de lágrimas. Sim, porque somos mulheres e sofremos – mesmo quando sabemos que esse é o melhor a ser feito.
Aí, o tempo passa. Você sofre um bocado e começa a se recuperar. Começa a lembrar que a vida de solteira não era tão mal assim. Aos poucos vai se habituando, dedica-se mais ao trabalho, investindo na carreira, participando ativamente de happy hours e festas. Os meses passam e você, sem querer, descobre o que não esperava: Seu ex-namorado (aquele individualista, independente e solitário) se casou! Ele casou!
Bom, o que vem depois disso só vai aumentando ainda mais o clichê dessa história, não fosse por um pequeno detalhe: isso não é mais história clássica heterossexual. O mesmo também acontece no mundo gay (mesmo que com muito menos drama e menos lágrimas, no geral). Ou seja, nem do clássico podemos nos gabar. Acabou, minha gente. O mundo é mesmo gay e, nós, viramos clichês das nossas próprias histórias.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Atraso

Meu relógio acaba de despertar. Olho para a cabeceira da cama e vejo números trocados. O relógio marca 26h86. Que hora é essa? Coloco os óculos, tento apertar o snooze, mas a música não para e vai ficando mais alta a cada segundo que passa.
Levanto e está escuro. Mais escuro que o normal. Arranco o relógio da tomada e ele não apaga. Ainda marca uma hora louca. A música está ensurdecedora. Procuro pelo celular, mas tem pouca luz. É estranho porque não durmo com todas as luzes apagadas. Sempre há alguma... mas agora, nada. Só breu.
Me desespero. Corro para a janela, abro e nada. Tudo escuro. A cidade não existe. Está vazia, sem lua, sem estrela, sem nada. As ruas parecem antigas vielas de terra, mas estão como um mar de piche. Nada se vê. Um blecaute desesperador. E a música não para. É frenética e quase intolerável.
O mundo acabou e eu sobrevivi? Busco o celular tateando pela mesa da sala. Encontro. Ainda há luz nele – iluminando o ambiente. Mas o relógio do satélite da operadora também está louco: marca agora 26h96. Que droga é essa?
Olho a minha casa através da luz do celular. Tudo estranhamente igual. Nada funciona. Nenhum interruptor acende. Busco as velas e começo a acender tudo. Vou para a janela e nada. Ninguém. Não se ouve nenhum ruído da noite. Nenhum cachorro late, nenhuma música toca ao fundo (além da minha), não tem burburinho, nada... que horas são agora?
Tento telefonar, mas não tem linha. Tento no celular, mas a ligação falha. Estou sozinha, no escuro, rodeada por velas e querendo ver o amanhecer. Espero, espero... torço, torço... rezo, rezo... e ele não vem. Agora o relógio (que não está ligado na parede) marca 28h38. Nada aconteceu. Ninguém se levantou. Nem o sol, nem o ruído, nem o calor, nem o frio (o tempo está de um jeito especialmente morno). Nada.
De repente penso que tudo isso por ser sonho. Pesadelo, nesse caso. Volto pra cama, fecho o olho e tento voltar pro sono. Tento voltar para a vida e encontrar a razão de tudo isso. Enquanto penso, me perco, me embaralho e, enfim, durmo.
O relógio desperta. Olho para ele e vejo o óbvio: estou atrasada. Muito atrasada.