sábado, 31 de julho de 2010

Senhas

A gente somatiza. Chego a conclusão que a gente somatiza tudo. Somatiza problema, cultura, educação, trabalho, amigo, dinheiro, tristeza, felicidade e... senha! Sim, senha.
Ao longo da vida a gente vai somando encontros e desencontros com quem merece e, até, quem não merece nada – e são essas pessoas que nos dão as tais senhas. Seguimos ali, ao lado, tentando mudar, ajudar, aconselhar. Apoiamos os momentos mais complicados, conversamos nos momentos mais tristes, fazemos rir quando a vida não faz mais sentido. Tudo isso, sem receber nada em troca. Ou quase nada.
Senhas. Muitas das pessoas que passaram e passarão (sem virar passarinho) pela nossa vida nos entregam de bandeja pequenos papéis de acúmulo de bondade. Quantas vezes você não teve de ouvir de alguém, que você nem gosta muito, como a vida está mal? Ou mesmo prestou solidariedade a uma pessoa que nunca faria o mesmo por você? Senhas.
Namorar um cara e cuidar dele como se fosse sua mãe, para depois ser chutada, senha. Ouvir seu chefe maluco gritando na sua orelha grosserias mil, sem nunca retrucar ou falar mal dele, senha. Pagar uma conta no banco da qual você não tem absolutamente nada a ver, mas pretende reaver uma posição, não é senha.
Aí que está. Estamos falando das senhas das quais você, se barrado no céu for, pode usar. As senhas são nomes. Pessoas que você, por pura bondade, tratou e acolheu sem esperar nada em troca – e foi até mal tratado (ou interpretado) por isso. Esses nomes são suas senhas. Dinheiro, nunca dá senha.
Se você sustentou alguém, esqueça. Você só fez porque naquilo havia alguma troca que te fez bem. Se pagou uma conta que não era sua, tampouco - deve ter havido algum benefício. Se pagou um processo injusto e indevido também, pois só está fazendo para tirar seu nome da justiça (mesmo que o cara seja um canalha). Agora, já o que você fez antes disso tudo acontecer... Senha!
A senha acontece da seguinte maneira: você chega na porta do céu e olha para o São Pedro ou Santo Antonio (parece que eles se revezam na portaria) e cumprimenta. Ele vai ao computador puxar sua ficha (que é longa, pode acreditar – afinal, todas as suas vidas estarão ali). Aí, você tem duas chances. Ou ele te deixa entrar ou não. Quase 50%, não fossem pelas... senhas! Ah! A dica é ter sempre uma na manga, como um coringa. Caso o primeiro nome não dê certo, saque o outro. Dificilmente vai ter erro. As portas serão abertas para você, irmão.
Antes de terminar, um aviso importante: para isso tem de ser bom. Bom de verdade. Nada de tentar acumular senhas com segundas intenções. ELES sabem quando isso acontece. A senha deve ser verdadeira, de coração e quase inocente. Ela vale apenas como um lembrete de sua história. Afinal, os santos não são obrigados a lembrar de todos os detalhes né? É muita gente!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Contos de Fadas

A Reconstrução
Parte 3 (e última) – Cinderela


No mundo das madrastas más, lá estava Cinderela penando no dia-a-dia insuportável de lava, limpa e chora. Apesar de toda a história triste da moça, a pobre gata borralheira é a que melhor representa as mulheres reais.
Cinderela levava uma vida infeliz. Não apenas por seu trabalho árduo, mas pela grosseria de três mulheres loucas. Mas, quantas mulheres não vivem uma situação, no mínimo, parecida?
Ela queria crescer na vida, mudar de status. Queria ser melhor e mandar tudo aquilo para bem longe da memória. Todos não pensam nisso em algum momento da vida? A gente quer mudar. Merecemos mais. Queremos mais. Sempre. Não é o dinheiro, mas o jeito que se vive a vida. Os amigos, encontros, momentos em frente da televisão, cantando com pássaros, dançando na sala de casa, deitados na rede, ouvindo música... e por aí vai.
Ela também queria mais. Cinderela sonhava com um grande homem (ah, os contos de fadas). Um representante masculino, forte e destemido que lhe tirasse da vida que levava. Naquela época eles eram mesmo necessários. Hoje não.
As cinderelas de hoje não precisam de príncipes para que um pedido de casamento transforme suas vidas. Sabem que eles serão sempre sapos e que de nada adiantará. Elas sabem que têm força suficiente para mudar e lutar. Por isso, trabalham, lutam, vivem e... amam. Sim, não precisam deles, mas torcem para que o sapo certo encontre seu sapato em qualquer escadaria (vale até do metrô).
As cinderelas atuais querem um amor de verdade. Daqueles que caminham de mãos dadas e fazem sorrir. Dos que ligam no meio do dia ou os que não têm medo de dizer ‘eu te amo’. Elas querem companhia para vida. E não são menos por desejar isso.
Com experiência de sobra, conhecem bem as madrastas. Sabem que são muitas e estão por toda parte torcendo contra, fofocando maldades, fazendo pouco. Mas, como em um bom conto, o bem sempre vence o mal.
Para as cinderelas o futuro é certo, mesmo que trabalhoso. É suado, mas pode trazer a felicidade. Então, o segredo é não desistir de acreditar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Contos de Fadas

A Reconstrução
Parte 2 – Branca de Neve


Ela nasceu depois do pedido de sua mãe no batente da janela: uma filha de pele branca como neve; cabelos escuros como ébano; e lábios vermelhos como sangue. Deu certo. A moça nasceu linda. Sua mãe faleceu em seguida e seu pai casou com uma rainha má (como devem ser todas as madrastas dos contos infantis). Para piorar sua imagem, a jovem senhora tinha como suvenir um objeto, no mínimo, estranho: um espelho falante. A função do reflexo era apenas elogiar a mulher com problemas sérios de auto-estima. Só que, com o crescimento de Neve, o tal espelho passou a gostar de outra mulher do castelo.
Bom, todo mundo sabe o resto da história. A mocinha branca fugiu e encontrou a casa com os tais anões. Lá, ficou e a pergunta é: por quê? Por que os anões deixariam uma mulher invadir o espaço deles? Apenas para ter uma empregada em casa?
Vamos analisar: o que levaria 7 homens (pequenos ou não) a perder liberdade, colocando uma (linda) estranha dentro de casa? Só a beleza e gentileza da moça? Duvido. Eles negociaram mais do que isso. Ouso dizer que Branca de Neve serviu de escrava doméstica e sexual de pequenos representantes da alma masculina.
Mestre (o cafajeste dono da ideia e esperto por natureza), Zangado (o mala), Dunga (o mudo), Atchin (o problemático), Feliz (o mentiroso), Soneca (o preguiçoso) e Dengoso (o grude) não foram nada bobos. Usaram e abusaram da fugitiva, até que uma maçã estragou o processo. A princesa parou.
Enfim, um príncipe passou – é impressionante como os príncipes sempre “passam por acaso” em contos de fadas – e se interessou por um corpo. Veja bem: ele gostou de um corpo inanimado dentro de um caixão de vidro. Para aumentar a bizarrice, pediu para ficar com a defunta. Como nenhum dos anões se interessava por necrofilia, o príncipe levou – mas não sem antes liberar uma boa quantia em dinheiro.
Na história dos Grimm, não houve beijo. O balançar da carruagem fez com que Branca de Neve cuspisse o pedaço da maçã que a impedia de respirar e o príncipe a pediu em casamento (claro).
Ela sorriu e aceitou, desde que o moço nunca perguntasse o que aconteceu dentro da tal casinha. Não diria nem sob tortura.
No fim, eles até viveram felizes, mas, as vezes, ela sentia muita falta do Mestre... Era um grande homem.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Contos de Fadas

A Reconstrução
Parte 1 - A Bela Adormecida


A bela adormeceu. Furou o dedo em uma agulha e dormiu profundamente. A praga diria que dormiria por cem longos anos. Mas, graças a um príncipe lindo e valente, ela acordou ainda mais linda e formosa.
A história é conhecida e completamente fora da realidade (claro, é um conto de fadas). Mas, se a gente parar para analisar, nada foi completamente explicado e, por isso, podemos pensar em problemas de verdade. Ninguém sabe, por exemplo, quem era o príncipe. Qual era seu reino? Qual era sua capacidade mental? Ninguém sabe seu sobrenome tampouco. Se gosta da família, se tem amigos, casa própria. Mas, o seu beijo foi o suficiente para acordar e encantar a moça.
Os contos de fadas fazem isso o tempo todo (eu os culpo pela total falta de noção feminina). Em todos eles é preciso uma representação masculina para salvar a mocinha do sofrimento. Sempre. O que está por trás de cada história, nunca ninguém soube (e nem saberá). Mas pode ser sugerido...
Já pensaram se o tal príncipe encantado não aparecesse nunca? A bela continuaria em sono profundo para todo o sempre? Ou acordaria cem anos depois com uma olheira horrível e os membros atrofiados? Estaria em seu castelo sem ninguém. Seus empregados estariam também sonolentos e com problemas de articulação. Nenhum homem a sua volta. Nada. O que faria a pobre adormecida? (nesse momento, já acordada)
Provavelmente o que todas nós fazemos no mundo real (e sem nenhum castelo): teria de correr atrás de trabalho, cuidar do jardim, aprender a plantar. Saber que precisa se exercitar para manter a boa forma, se alimentar bem, pagar contas... e, claro, tentar frequentar bailes, festas e encontros para achar um príncipe bacana.
Inexperiente, a Bela vai encontrar todos os tipos: os babacas, os pouco inteligentes, os metidos a inteligentes, aqueles que não gostam de trabalhar, os que têm sotaque, os que trabalham demais, os que têm mães presentes demais, outros de menos e, claro, os traumatizados.
Ela vai enfrentar tudo isso vestindo um lindo e esvoaçante vestido, sempre com um sorriso bondoso no rosto. Mas, na frente do seu espelho, sozinha no quarto que passou tanto tempo dormindo, admitiria que o sono profundo não era tão ruim assim.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Fé no amor

A fé ajuda, mas (só ela) não resolve. Fato. Se antes pensávamos nisso de forma duvidosa, uma pesquisa garante que os divórcios e separações acontecem em qualquer religião – e de forma crescente.
O problema é muito simples: seres da espiritualidade não entendem nossa forma de amor, simplesmente, porque nunca a vivenciaram.
Pense bem: Deus ama a todos da mesma maneira. Seu amor é único e incondicional, mas nunca soubemos que tenha tido um amor reprimido, uma paixão secreta por qualquer pessoa. Sendo assim, ele prefere que seus familiares, súditos e amigos do paraíso ajudem na resolução e no não-sofrimento desse sentimento tão confuso.
Aí, Jesus dá seu palpite. Ele gosta de palpitar, afinal esteve por aqui e viu muitas coisas acontecerem. Inclusive, no amor, teve uma experiência tórrida e intensa com Maria Madalena (por mais que muitos fiéis neguem). Mas, ele morreu para provar (Deus, e só ele, sabe o quê), e acabou sem entender o amor de um homem e uma mulher. Por isso, sempre desiste. Pede desculpas e ajuda.
Aí, entram os santos (para os católicos). Esses, também estiveram por aqui e acompanharam de perto a vida conjugal – apesar de nenhum deles ter vivido uma história de amor. Santo Antonio, por exemplo, até hoje se pergunta por que é o santo casamenteiro. Abandonou tudo para viver ensinando e cuidando dos pobres. Quando viu, estava vinculado à crença de que podia fazer casar. Bondoso, decidiu ajudar. E tenta (como tenta), mas seu critério é inocente demais e, além disso, as pessoas fazem atrocidades com sua imagem. Por isso, escolhe um par (nada) ideal rapidamente para que seja logo desamarrado. Ele próprio prefere São José para esse tipo de conselho.
Ah, São José. Um santo cheio de opinião a respeito do casamento, afinal esteve aqui para casar e constituir uma família. Não imaginou que um anjo entraria no meio da história, mas ficou feliz com o resultado. O problema é que são outros tempos. José tenta, mas fica difícil ajudar quando as mulheres pensam demais, exigem demais, enquanto os homens mantêm a mesma limitação daquela época.
Os católicos mais desesperados atacam a pobre Santa Rita de Cássia, que já avisou só tratar de assuntos sérios e impossíveis. Amor, ela nem pára para ouvir. Está sempre ocupada demais.
Kardec escreveu muitas teorias espirituais que explicam os karmas vindos de outras vidas, mas nada revela (de fato) os problemas amorosos. O mesmo acontece com os deuses do Camdomblé e Umbanda. Já Maomé diz que nada pode, porém seus fiéis não ouvem muito bem (estão ocupados com outros barulhos).
A única que realmente sofre junto é Maria. A Nossa Senhora ouve todos os sofrimentos, vê tudo e apela até para milagres. Consegue concessões impossíveis para qualquer um lá em cima. Ela entende o amor. Foi apaixonada por um homem na terra, assim como amou demais seu filho. Ela conhece esse sofrimento, mas não sabe como fazer para que ele perdure. Nem ela, nem ninguém.
Se a vida já é difícil, amar consegue ser ainda mais complicado. O jeito é acreditar. A fé pode mesmo não resolver, mas é ela quem faz com que voltemos a acreditar no amor. É a fé que nos faz encontrar pessoas novas. E é ela que também nos faz esquecer quem nos fez sofrer. Já vale, não?

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Fiu Fiu

O fiu fiu é internacional. Em qualquer lugar do mundo você pode ficar tranquilo (ou não) para assobiar àquela mulher gostosa que passa ao seu lado. Ela vai saber o que você quis dizer.
Não é interessante pensar que o mundo sabe o que é um elogio sonoro, antes mesmo do Google? Você passa, olha, admira e assobia. Pronto, está feita a cantada. No Brasil, em Cuba, na China ou Austrália. O fiu fiu é muito bem ouvido e interpretado da mesma maneira.
Não existe um dicionário que o descreva. Até mesmo o Google se confunde, mesmo assim o fiu fiu deveria ser reconhecido como a sonoplastia mais usada do planeta.
Qualquer mulher que se preze gosta de ouvir o assobio. Não é agressivo, não é vulgar, nem ofende. É galante. Um sinal de que o tempo passa, mas nem tudo envelhece. Fiu fiu é o som mais charmoso das passarelas acinzentadas e barulhentas das cidades.
Por ter esse ar retrô, o assobio é também machista (infelizmente). Não se vê uma só mulher fazendo biquinho para uma peça rara que vemos pelas ruas (a não ser entre amigos, como brincadeira). Nada.
Mesmo quando eles passam desfilando com tudo certo. Roupa, corpo, cabelo e perfume. Nós, em geral, apenas olhamos boquiabertas. No máximo, soltamos um suspiro reprimido. As mais ousadas gritam algo sem sentido nenhum (ou com todos os sentidos): “ô lá em casa”. Mas fiu fiu, jamais.
O que é uma verdadeira bobagem. Estamos tão acostumadas a fazer biquinho para tanta coisa imbecil (e sem nenhum humor), por que não tentar fazer um fiu fiu glamouroso?
Podemos estilizar o som das ruas, meninas. Criar novas formas de fazer o barulhinho elogioso, com olhares e piscadinhas acompanhando. Não seria vulgar, tampouco masculino. Pelo contrário! Soltar um fiu fiu com admiração pode render até assunto. Ou... no mínimo, vai dar para descobrir se o moço tem (além de estilo) um belo sorriso - porque ele vai rir. Não duvide.

terça-feira, 13 de julho de 2010

All Star

De repente é dia do rock. De repente a Cássia me vem aos ouvidos com a música do Nando. De repente o Queen seria mais apropriado para o dia (e é), mas essa letra sempre me encanta, me faz lembrar, me faz sorrir. E aí... vale.

Estranho seria se eu não me apaixonasse por você
O sal viria doce para os novos lábios
Colombo procurou as índias mas a terra avisto em você
O som que eu ouço são as gírias do seu vocabulário

Estranho é gostar tanto do seu all star azul
Estranho é pensar que o bairro das laranjeiras
Satisfeito sorri quando chego ali e entro no elevador
Aperto o 12 que é o seu andar, não vejo a hora de te encontrar
E continuar aquela conversa...
que não terminamos ontem, ficou pra hoje

Estranho mas já me sinto como um velho amigo seu
Seu all star azul combina com o meu preto de cano alto
Se o homem já pisou na lua, como eu ainda não tenho seu endereço
O tom que eu canto as minhas músicas, pra a tua voz, parece exato

Estranho é gostar tanto do seu all star azul
Estranho é pensar que o bairro das laranjeiras
Satisfeito sorri quando chego ali e entro no elevador
Aperto o 12 que é o seu andar não vejo a hora de te reencontrar
E continuar aquela conversa,
que não terminamos ontem, ficou nas Laranjeiras...
Satisfeito sorri, quando chego ali e entro no elevador
Aperto o 12 que é o seu andar não vejo a hora de te encontrar
E continuar aquela conversa
Que não terminamos ontem, ficou pra hoje...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Lindas, Loucas e Necessárias

As mulheres acham (e, as vezes, têm até certeza) que sabem tudo, podem consertar o mundo e mudar qualquer homem. Acreditamos piamente que nada está completamente perdido e, se está, pode ser resolvido com muito blá blá blá. Apesar de tanto positivismo, somos as rainhas da dramatização. Adoramos um melodrama, mesmo sabendo que nem sempre o final é feliz.
Eu, como exemplo prático, questiono, penso, pondero e, por fim, deliro – assim como a poesia de Gullar. Tudo fica grande. Atinge proporções impensadas, insensatas e completamente infundadas.
Não, nem sempre é preciso um momento mensal para isso. Pode acontecer qualquer dia, qualquer época, qualquer estação do ano. É o fim. Em geral, elas (nós) ainda reclamam, falam... Cruel para qualquer ouvido.
É... e para voltar à realidade não é nada fácil. Mas se você a ignora, ela bate na sua cara e lembra que é preciso descer para a terra. Alguém grita: Pise não chão agora! E você decide tentar (pelo menos por alguns minutos).
Aí, quando tudo está se perdendo no limbo profundo e escuro da nossa cabeça, nos encontramos com pessoas quase esquecidas, trocamos mensagens com o passado e ponderamos que, se nada foi tão terrível assim, por que sofremos tanto? Drama. Puro drama.
As mulheres têm mais potencial para esse tipo de sentimento. Não conheço muitos homens dramáticos. Mulheres estão constantemente entre a loucura e a insanidade. Tentamos desesperadamente achar um equilíbrio chamado normalidade, mas quase nunca alcançamos tal proeza. Freud morreu sem entender, mas nunca ousou dizer que nem mesmo nós nos entendemos – o que confirma ser uma bobagem outra pessoa tentar.
Houve uma época que me irritava ser mal interpretada, intensa... louca. Hoje, não. Se ninguém é mesmo normal (muito menos de perto, já disse Caetano), por que eu seria diferente? Não sou. Sou até bem mais prática e racional que a maioria, mas só. Todo o resto é confuso, misturado e dramático como todas as outras. Paciência.
Sugiro (insanamente) que nossa apresentação seja mais ou menos assim: Sim, louca. Sim, linda (claro). Sim, necessária. Sim, mulher. Muito prazer.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Por uma vida sem parcelas

Quantas vezes a gente não ouviu dizer que dinheiro não é tudo? O fato é que precisamos tanto dele que, no fim, nunca pensamos nessa frase (batida). As contas batem na porta todos os meses. Nossos sonhos, apartamentos, viagens, festas, roupas, acessórios, bobagens, empréstimos, carros, filhos, escola, faculdade, cursos... Tudo é (muito bem) pago.
Como não pensar nele? Como evitar sofrer quando você não tem como arcar, ajudar, tentar parcelar? Difícil. O dinheiro domina nossa realidade capitalista, burguesa e nos deixa (muitas vezes) infeliz.
De repente transformamos nossas vidas em cartões de crédito parcelados. Parcelamos sorrisos, momentos e até a saúde. Vamos parcelando... tentando nos encontrar em valores fixos e mensais. Vamos torcendo para que a gargalhada ou aquele comentário espirituoso saiam naturalmente.
Mudamos nossa vida por dinheiro. Mudamos de hábito, de casa, de humor. Trocamos as noites por horas de trabalho mental, e os dias pelo trabalho braçal de correr atrás dele. A fé nos escapa, fazendo das orações vazias. Não há motivação.
Ah... o dinheiro. Tão real, mas não move um único moinho. Tão real que não faz ninguém se apaixonar. Tão real que não nos transforma em pessoas melhores. Tão real que não dá em árvore, não serve pra pescar, nem se encontra em nenhum horizonte.
Dinheiro não paga o por do sol de hoje, nem a chuva de amanhã. Não paga a conversa com os amigos, nem o sorriso de um bebê. Não ganha um grande amor (daqueles de verdade). Não conhece beijo na boca, nem nunca vai saber o que é receber um abraço inesquecível. Não sabe que a lágrima é quente e que um sorriso pode iluminar uma sala inteira. O sr. dinheiro é burro pacas.
Dizem que para valorizar o que temos é preciso ver quem menos tem. Não acredito nisso. Vi um país socialista/comunista com pessoas sem nenhum dinheiro. Não tive pena. Elas precisam, como todos nós, mas não se deixam levar pela pobreza e tristeza que vivem. Todos sorriem, falam e ouvem, simplesmente porque tiveram de descobrir o que eu (por sorte) já sei: a gente precisa dele, mas é só isso. Ele não nos move. Quando faz falta é (só) para lembrar de que não podemos desistir de lutar. Nunca.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Idioma particular

A gente acha que já viu tudo. Adultos, mesmo sabendo que nada sabemos (grande realidade), acreditamos que nunca seremos surpreendidos. Bobagem.
Meus últimos 20 dias duraram meses. Meses intensos, quase sem dormir, com a mala roubada (e depois sumida), comendo arroz (muito arroz), bebendo rum, cerveja e, principalmente, enchendo a cabeça de cultura. Muita cultura.
Cultura internacional. Teorias cheias de fundamento para escrever personagens, encontrando palavras e perfis. Todas elas no idioma de pessoas, primeiramente, estranhas, para depois se tornarem amigos queridos.
No início era como uma pessoa saída de um coma, ou mesmo de um derrame. Tudo entendia, nada falava. Brasileiros locais aconselhavam: “hablas” como for. Brasileiros íntimos escreviam: fala! Falei. E falei com o coração aberto. Como pessoas especiais (que são) me compreenderam. Me ajudaram e rimos muito juntos.
Aulas intensas e especiais, festa infindas, bebidas fortes, conversas ricas. Tudo aconteceu em tão pouco tempo. Tudo aconteceu por muito tempo.
Café da manhã junto, almoço junto, jantar junto, bailar junto. O “junto” passou a ser uma palavra nossa e de mais ninguém. A comunicação venceu qualquer dificuldade de idioma. A música nos uniu. A informação nos salvou e a criatividade se expandiu. Estávamos ali... todos munidos de cumplicidade e humildade. Por isso, deu certo. Por isso, nos surpreendemos.
Acabou. Os dias intensos e sem sono teriam mesmo um fim. Sabíamos disso, mas por algum tempo achávamos que nunca acabaria. Mentimos para nós mesmos (de alguma forma).
Muito se perdeu. O dia a dia acabou. Mas sabemos que nosso idioma particular não. Nossas risadas ainda estão no ar, ainda posso ouvir. Nossos sonhos e tristezas divididas ainda ecoam por aí. E isso não acaba. Nunca. Pode ser aqui, em Cuba, no Chile, na Espanha, Colômbia, México, Costa Rica, Argentina, Austrália, Rússia até... Em qualquer lugar vamos a seguir hablando. Siempre.