segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Hoje

Hoje o céu não tem cor - é multicolor.
Hoje não é o dia mais chato da semana - é sexta.
Hoje não chove, não faz frio - está claro e calor vem com a brisa.
Hoje não existe tristeza, saudade ou lágrima - só felicidade, encontro e riso.
Hoje não tem conta, atraso, juízo - só abundância (sem juízo).
Hoje não tem desamor, passado, dor - é dia de coração cheio.
Hoje as cores são de Salvador, o sorriso é de amor, a prece tem mais fé, o abraço vem com a maré, que leva tudo o que ninguém quer.
Hoje a rima é permitida, não é brega ou piegas - é só graça.
Hoje só as borboletas e os elefantes podem voar.
Hoje...
Hoje tudo pode.

Só hoje...

domingo, 24 de outubro de 2010

Espelho, espelho meu

Tem um dia que a gente acorda, se olha no espelho e não se vê exatamente. Nada parecido com a dramaticidade de Kafka ou um filme de terror qualquer. A gente simplesmente se olha e não se reconhece como um todo. Começa a prestar atenção que muitas coisas mudaram e aí, se você já não é o mesmo, quem então é?
Pergunta estranha, mas muito própria de quem faz aniversário. Depois dos 30 a gente já não sabe se está no caminho certo das coisas, se as escolhas foram as melhores e ainda duvida que exista tal perfeição. Entre uma dúvida e outra o espelho é um mero detalhe, na verdade.
Nem vou repetir o chavão se o que desejei na adolescência para minha vida deu certo – até porque a resposta seria obviamente negativa (mas alguém responderia que deu certo? Tudo funcionou perfeito como nos desejos infantis? Duvido).
O que vejo no espelho não é estética de alguns fios brancos que arranco sem dó, ou algumas rugas infelizes que insistem em se fazer cada vez mais presentes. Isso, tiro de letra. O que vejo e que me assusta é a quantidade de coisas que já passei. O número de pessoas que perdi (em vida e em morte), as saudades que ainda carrego de muitas delas, os problemas, as prestações atrasadas, o desamor de muitos momentos, a solidão que volta e meia cola na minha, algumas lágrimas aqui, problemas jurídicos ali... tantas, tantas coisas, que o espelho é até bacana comigo, pensando bem. Poderia mostrar muitos mais anos do que tenho.
Mas aí, vem também toda a carga positiva – e que também faz parte da mudança. Uma família de amigos, a descoberta maravilhosa de que ter poucos e bons faz mais diferença do que ter o mundo inteiro, as viagens, as risadas em mesas (qualquer mesa), os amores idos (não posso negar de que fui amada e essa sensação é renovadora), os beijos e abraços verdadeiros, as bebedeiras hilariantes, as conversas filosóficas, os shows incríveis que vi, os livros emocionantes que já li, os filmes brilhantes que me encantaram e as músicas que fazem parte da minha vida. Essa carga está comigo. Toda comigo.
Não, o espelho não é mais o mesmo. Acho que de ano para ano nunca é. Somos diferentes a cada dia e essa evolução é que nos faz melhores (ou piores, claro). A intenção não é envelhecer, mas encarar o envelhecimento como parte de uma grande experiência, carregada de esperança por momentos ainda melhores. E assim, os anos vão passando... e o reflexo que se dane!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Burrice comprovada

Eu leio, eu penso, vejo, releio, toco, existo, reluto, sei. Não. De algumas coisas não sei. Paciência. Tento entender, mas minha ignorância é tamanha que tudo o que ouço são blábláblás absurdos de algo sem nenhum sentido para minha existência – ao menos nessa vida (mas, se houver outra, também não pretendo entender).
A verdade, e devo confessar, é que não me esforço muito. Nem sei se deveria. Algumas coisas talvez sejam melhores se a gente não souber a verdade. Se ninguém nos explicar ou se nos fizermos de surdos. Aquela frase “melhor ouvir tal coisa do que ser surdo”, não se aplica aqui.
Sou ligeiramente inteligente até. Depois de adulta me tornei boa aluna (na escola eu queria conversar mais do que estudar, na faculdade descobri o prazer da sala de aula – apesar de falar bastante também). Leio, sou atualizada, instruída, sei mexer no meu computador (mesmo que eu falhe as vezes), uso bem os maravilhosos poderes da Apple, ganho dinheiro honestamente, pago contas (muitas atrasadas, devo dizer)... Tudo como uma brasileira que não desiste – e como a maioria.
Já pensaram nisso? Nós, os honestos, sinceros e verdadeiros, somos os mais comuns no planeta. Tão comuns que não temos nenhum ibope. Há muito mais gente como a gente por aí. Nos esquecemos disso constantemente. Pense bem, os corruptos, desonestos e ladrões fazem parte da minoria. Essa minoria é que está estampando os jornais, que matam, roubam, que se candidata ou se elege. A gente não. E pagamos o preço alto por ser assim... a maioria. Isso, eu não entendo.
Não entendo como tem gente por aí dormindo tranquilamente, sonhando com os anjos, sorrindo na padaria e não tendo nenhuma dignidade com o próximo. Não entendo. Gente que não paga suas contas, que usa o nome dos outros, que não trabalha, que se sustenta de tramóias mal tramadas, que recebe envelopes escondidos em malas, meias e que ainda canta música de ninar e fala mal dos honestos como se fossem imbecis por tentarem sobreviver com seus aluguéis, condomínios e favores.
Não sei. Sou burra nisso. E não há professor bom o bastante para desenhar como a desonestidade e a falta de caráter funcionam. Não sei. Não quero saber.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Prece estranha

Então, ele ficou preso. Uma explosão o deixou ilhado embaixo da terra. Não, ilhado não seria a palavra, mas segue como linguagem figurativa. Ilhado ou enterrado vivo, que é muito mais forte e agressivo.
Ele e mais 32 companheiros de luta. Homens com variadas idades, variados tipo de vida. Homens que, como ele, estavam ali para ganhar dinheiro. Apesar de toda a terra acima deles, estavam vivos. Falando, discutindo, chorando suas lamúrias pessoais. Não viam luz há tantos dias, que quase não lembravam mais de um céu azul, a não ser que se esforçassem – quase não o faziam para não terem emoções fortes em meio a tantos maltrapilhos e maltratados personagens.
Já ele, quando soube que a luta para tirá-los de lá moveu um país inteiro e comoveu o mundo, se chocou. Era muito para ele. Muito mais do que esperava e do que queria. Apesar de ilhados e enterrados estavam também completamente expostos. Um contra-senso de toda aquela situação. Suas vidas vasculhadas por repórteres - sabe Deus de onde. Para esquecer cantavam o hino, queriam saber do futebol e prometiam amor eterno a suas mulheres. Suas lindas e fiéis mulheres. Já ele... nem tanto.
Embaixo da terra rezava todos os dias para que sua mulher nunca descobrisse a verdade. Chorava baixinho, pedia para que sua família o perdoasse por amar outra mulher. Mas sabia que seria impossível. Sua amante era calorosa demais, expressiva demais, emocional demais para não gritar pelas ruas que o amava e que o queria vivo. Não que ele fosse muita coisa, mas ela sabia que mesmo não sendo muito, ele era dela. E era mesmo.
A cada dia, que mais parecia uma noite eterna pós-apocalipse, ele pedia para que todos ficassem calmos e que Deus saberia o que fazer. Repetia isso, tentando ouvir a si mesmo – o ateu da família virou um pastor, que poderia ser do inferno, considerando onde estava. Mas, no fundo, queria mesmo que Deus resolvesse sua vida. Não queria que ninguém sofresse. Ainda mais por ele... que não valia muito. Tinha plena noção disso. Era o tipo de homem que sabia de sua insignificância no mundo, mas (para constar) mantinha uma arrogância típica.
Os dias passaram e ele se viu não querendo mais sair dali. Ao mesmo tempo, precisava saber se o sol ainda brilhava. Foi com essa sensação que entrou na cápsula. Subiu tantos metros que mais parecia uma minhoca cavoucando um espaço na terra fofa. Lá em cima, viu o dia e muitas pessoas. Todas aplaudindo, chorando emocionadas. Entre elas um rosto conhecido. Como havia imaginado, ela estava ali. Naquele momento soube que sua vida realmente seria outra e com outra mulher. No fim, tinha valido a pena aquele sufoco todo e não precisou resolver nada. Estava tudo resolvido. Deus tinha mesmo feito sua parte.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Quando o amor não desiste

Eles sempre se amaram, mas a vida não permitiu que ficassem juntos. Tantos problemas, tanta família, tanto desamor. Desistiram. Não havia mais nada a fazer. Era uma vida de "não". Sempre os mesmos nãos.
Então, era melhor guardar o amor em uma caixa dentro do armário. Uma caixa muito bem fechada, embrulhada com fita (a dela). Fechada com nós de farrapos (a dele). Todo o sentimento ficou ali trancado. Não viu o casamento dela com outro homem, tampouco viu o nascimento da filha dele com sua mulher. O amor não viu nada, mas sentiu.
Os anos foram passando e seus casamentos seguindo. De uma família pequena, nasceram muitos. Deles, nasceram mais. Desses ainda, mais. Muita gente na mesa aos domingos. Cada um deles em sua casa. Cada um deles respirava um ar diferente, em cidades diferentes, com amores diferentes.
Um dia, ele, já sozinho pelos anos da vida, desatou o nó de um farrapo podre, sem cor, quase sem trama. Encontrou fotos, cartas, cartões, músicas. Sentiu todo o ar da juventude comprimido em uma caixa. Um amor esquecido, envelhecido, mas ainda vivo – descobriu.
Sorriu para si mesmo. Quantas besteiras os separaram. Quanta tristeza boba guardada e tão apodrecida. Resolveu vê-la. O que teria a perder? Anos de vida, certamente não.
Foi. Na porta da casa dela, sentiu as pernas falharem, quase desistiu. Mas sabia, deveria seguir. O que teria sido dela? Como estaria a mulher que era sua melhor amiga? Aquela para quem cantou, tocou, se aconselhou, abraçou, beijou? Tocou a campainha.
Uma senhora abriu a porta. Frente a frente. Os mesmos olhos. Não havia ruga, não havia cabelos brancos. Eram dois jovens sorrindo. Ela não precisou perguntar quem era. Sabia bem quem estava ali parado na soleira. Pediu que entrasse e lhe acompanhasse até o quarto. Ele estranhou, mas a seguiu.
Da porta, ele viu uma caixa aberta e fitas descoloridas pelo chão. Se aproximou e então se viu dentro daquele pequeno quadrado de madeira.
Sem mais tremedeira, ele olhou a mulher da sua vida e perguntou o que devia ter perguntado muitos (muitos) anos antes: Casa comigo?
Enfim, casaram. Dessa vez sabiam que o “para sempre” já não era tão importante assim.

* Em homenagem aos mineiros recém-casados - ela com 91 e ele com 84 anos. Duas pessoas (bem) maduras que não puderam se casar jovens, mas ainda buscam a felicidade.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Desamor é passaporte

Quanto tempo para amar alguém? Quanto tempo para ‘desamar’? Prazos e datas só existem no trabalho. O resto é muita informação para nosso cérebro. Tem gente sofrendo anos pelo mesmo amor bandido. Tem gente sofrendo ainda mais pelo desamor eterno. Como suportar tal penalidade mental?
Sim, porque é um castigo mortal à própria cabeça. Se torturar sozinho na cama vazia é sacanagem demais para quem sabe que pode viver mais e melhor por aí. Chico Buarque tem razão. Pode-se encontrar muita gente melhor pelo caminho. Ele só errou na porta... melhor fechar. E na dúvida, eu trocaria até a fechadura. Deixar a porta aberta (ou entreaberta) é garantir que visitas entrem sem bater, sem aviso prévio... aí, o sofrimento vira suplício. Por isso, cadeado pode ser uma boa opção também.
A vida é um festival de encontros mal equilibrados, mal informados e, as vezes, mal vividos. E vamos tentando (entre eles) encontrar uma forma de interpretar cada um, encarando como um sinal imbecil. Não funciona. Até porque o sinal pode ter existido apenas para o outro, não para você. Então, a interpretação é burra. Não tem explicação e pronto. Melhor seguir em frente (e não abrir mais a porta para qualquer um).
A verdade (ao menos a minha) é que viver 47, 45 anos em um relacionamento não deve ser nada mole. Lendo Conversas sobre o Tempo, Zuenir e Veríssimo (desculpem, sou íntima) explicam que não há complexidade em dividir a vida há tanto tempo, ”basta” perceber que não se pode viver sem a outra pessoa. Um dia, isso vem (como algo cósmico, não sei) e você tem certeza de que assim será.
Será? Meu lado romântico torce para que sim. Para que os astros conspirem, as estrelas escrevam e o destino decida. O lado racional sabe que vai ser lama. Mas o jeito é colocar as botas e viver as sete léguas do amor, já diria Xico Sá.
O importante é encarar o desamor como uma passagem para o novo. Um passaporte dolorido para uma nova fase. Depois de carimbado, prepare-se. A viagem pode ser ainda melhor e, quem sabe, em nova companhia.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Primavera

Liberte-se. Libere-se. Tire dos ombros aquilo que não suporta mais carregar. Tire dos ombros aqueles que você não suporta mais lembrar. Solte o peso de carregar. Descarregue. Desafogue. Saia do fundo. Ressurja. Renasça. Olhe para cima e veja que a luz do dia está lá. Suba. Não canse. Escale o que tiver de escalar. Não desista. Sinta a leveza. Você está leve. Suba. Suba. Descubra que agora, mesmo no frio, já é primavera. As cores estão lá fora. Todas ali. Abra-se. Floresça. Sorria. Hoje é nova vida. Amanhã é incerteza. Não duvide. Acredite. Aja. Beba. Converse. Conheça. Desperte. Encare com coragem. Desculpe-se. Perdoe. Perdoe-se. Esqueça. Apaixone-se. Viaje. Sonhe. Veja. Olhe. Encare. Ame. Durma. Acorde. Reze. Coma. Beije. Abrace. Confesse. Chore de felicidade. Agradeça. Liberte-se. Libere-se. Ame-se.