sábado, 24 de março de 2012

Roteiro da Vida


Como roteirista eu poderia inventar uma história de mim mesma. Criar alguma coisa que não aconteceu, esperar alguma outra que poderia ter sido, mudar o fim (mesmo ainda que não tenha chegado nele) ou quem sabe recomeçar. Podia criar outro quebra-cabeças para da minha própria vida. Tirar uma cena triste daqui, colocar uma mais feliz, ter menos choros e muito mais sorrisos de felicidade. Poderia dar certo. Ou, muito errado.
Como donos das nossas próprias histórias, somos capazes de alterar o futuro, mas incapazes de corrigir o passado. Até porque ninguém nos garante que ele não alteraria o que (e quem) somos hoje – aquela coisa do efeito borboleta.
Aí, eu e pergunto: e o que somos hoje, senão um monte ambulante de histórias? Caminhamos carregados de malas contendo lágrimas e risos. Estamos pesados de erros, acertos, escolhas, relacionamentos. E continuamos  andando na eterna corda bamba entre um novo tombo e uma rede afetuosa.
Às vezes pensamos que não somos mais os mesmos. Aquela história de que com o tempo mudamos. Bobagem. Com o tempo, garantimos nossa própria personalidade, percebemos melhor os erros e sabemos exatamente a hora da queda ou da vitória. Com o tempo, podemos descrever o nosso personagem na vida. Nossas escolhas estão definidas também com nosso caráter. Sabemos exatamente onde estamos entrando, assim como sabemos a hora da retirada.
Quando você é o protagonista, não há uma única linha para reescrever. Toda aquela bagagem, mesmo que seja chata de carregar, caminha com você. Entra no mesmo avião, está dirigindo seu carro, senta ao seu lado no bar, responde SMS, email, entra no Facebook... se mostra. Carrega consigo a sua descrição e, caso você esqueça, te apresenta o roteiro que você mesmo escreveu, mas te lembra que as próximas falas são de decisão sua. Por isso, melhor ter cuidado. 

quinta-feira, 8 de março de 2012

A mesma de sempre


Certo dia ela se levantou e pensou: não quero mais ser eu. Decidida partiu para algumas decisões e implementações. Faria a governança da sua própria mudança.
Primeiro ato. Mudanças de coisas simples. A antiga morena de cabelos compridos, seria agora loira platinada com cabelos bem curtos. Seu cabeleireiro não acreditava e ela logo avisou: “haverá muito mais”.
Segundo ato. Roupas e sapatos. Ficou em dúvida se preferia ser periguete ou executiva. Pensando em prós e contras, ficou com a segunda opção. Ela podia ser outra, mas não conseguiria mudar de cérebro. Melhor manter uma certa bagagem. Por isso, nada mais largo ou meio hippie. A partir de agora só roupas clássicas e saltos muito altos. Terninhos coloridos, camisas, bolsas Vitor Hugo. Tudo que sempre detestou, agora faria parte de sua personalidade.
Terceiro ato. Endereço e carro. Precisava sair do bairro. Não tinha mais a cara dele, já foi um custo entrar no prédio com o cabelo e as roupas novas. Encontrou um no Itaim, perfeito – nem sabia que o bairro tinha árvores. Depois, na concessionária, deu uma investida e saiu com um carro um pouquinho melhor, mas prata. Era mais chique, acreditava.
Quarto ato. Trabalho. Não faria mais o que faz. E não poderia trabalhar em casa. Precisava de algo corporativo. Conseguiu. Entrou na área de marketing de uma grande empresa, em que ninguém a conhecia.
Quinto ato. Hábitos. Agora faz academia no novo bairro e não mais yoga. Conhece todos os bombados e bombadas do lugar. Virou também vegetariana e não bebe mais cerveja. Futebol, na nova vida, nem pensar! Agora nem ouve mais os resultados da rodada e quando vê alguém comemorando um gol olha feio, e pensa “coisa de maloqueiro”. Também decidiu parar de ler romances e literatura. Adeus Gabo, Vargas Llosa e Isabel Allende. Agora, só livros focados em marketing, estratégia e dinheiro. Foco.
Sexto ato. Amigos. Avisou da mudança. A maioria rejeitou, disse que estava louca. Decidida, gritou que quem não entendesse não seria mais seu amigo. Perdeu quase todos. Paciência. Faria novos.
Sétimo ato. Namoros. Todos cancelados. Como era uma nova pessoa podia eliminar seu passado amoroso (que não era muito glorioso mesmo) e começar um novo. Mas... como há um tempo estava cansada disso tudo. Decidiu que seria apenas profissional. Daria mais certo.
Oitavo ato. Choro. De volta para o espelho ela se viu atrás da maquiagem pesada, os cabelos loiros e a camisa listrada que usava. Ainda estava ali. Ainda era ela. A mesma louca, apaixonada, hippie, anarquista, politizada, diferente, amante de futebol, leitora, infantil, chorona, amiga, risonha, briguenta... ela estava ali. Estava apenas travestida de outra mulher que carregava seu mesmo nome e sobrenome.
Nono ato. O despertador toca a música escolhida da noite anterior: Could You Be Loved. Joe Cocker canta, ela acorda, se levanta num salto e se olha no espelho. Estava ali. Mais morena do que nunca. Mais mulher do que antes. Mas a mesma.
Décimo e último ato. Na varanda. Olha o bairro que tem a sua cara. Sim, talvez esteja tudo errado. Sim, talvez o caminho escolhido não tenha sido o melhor. Sim, devia tentar ser menos tirana consigo mesma. Sim, devia ser menos louca, às vezes. Mas... ainda era melhor ser ela. A mesma mulher de sempre. 

sábado, 3 de março de 2012

Um bar, 4 corações e o tempo


Uma mesa de bar. Duas garrafas de água. Quatro mulheres. Quinze cervejas. Quatro homens. Dezoito empanadas. Quatro corações masculinos partidos. Muito papo. Muitos conselhos e a incômoda (e racional) certeza de que tudo sempre passa.
Alguém diz que 28 dias são suficientes para se habituar com a tristeza, a ausência, o fim; o resto do sofrimento é problema seu (e pode, claro, durar anos ou uma vida inteira). Outra pessoa garante que é necessário ouvir a voz do coração; enquanto outra enfatiza que é melhor seguir com a razão para não enlouquecer. Uma delas afirma que acreditar é o que pode nos fazer feliz. Outra não acredita mais em exceções, só em regras...
Muitas teorias em uma mesa diferente. Apenas os homens sofriam por amor. Cada um deles com sua própria história. Todas lindas. Todas com seu devido fim. Ou (quem sabe?) um grande recomeço.
Difícil dizer para quem sofre, que passa. Quando passamos dos 30 já sabemos (ou deveríamos saber) disso. Mas, ao mesmo tempo, ouvir nos faz relembrar do que o tempo é capaz de fazer.
O tempo não liga para datas. Não está nem aí para nossas lágrimas ou sorrisos. Não precisa de abraços, não sabe o que é carência, nem conhece o carinho. O tempo não vê rugas, não enxerga nosso reflexo no espelho. O tempo não conhece a felicidade, nem mesmo a tristeza. Por isso, leva. Vai passando e carregando tudo numa velocidade estonteante. Difícil mesmo é vê-lo passar.
Quando se trata de amor, nossa ingenuidade acaba quando choramos a perda de alguém pela primeira vez. Depois de um primeiro amor vencido, nunca mais o veremos da mesma forma. Quando descobrimos que em algum momento aquela dor vai cessar, que você vai rir e amar de novo, todo o resto nos torna menores, ou maiores (ainda não sei dizer).
Ver quatro homens sofrendo por amor, nos dias de hoje (ou em dias sóbrios como o de ontem), é a comprovação que o romance não acabou. 
Dentro do meu ceticismo romântico, ouvir de um deles que o amor arrebatador ainda estava por vir, me deixou sem palavras. Me vi pedindo secretamente que o tempo parasse (ao menos para mim). Aí, me lembrei que é a partir do desamor que entendemos o verdadeiro significado do amor. E eu, boba, já tinha me esquecido disso (maldito tempo).