domingo, 28 de outubro de 2012

Carta para uma virgem


Querida,

Escrevo para te contar uma história que, infelizmente, você não vai viver. Mas, antes, preciso pedir desculpas e justificar essa “carta”. Sou romântica. Contrariando minha idade (agora ainda mais velha) e todas as histórias amorosas já vividas, sou assim. Não há nada a fazer. Talvez lamentar - mas é o máximo.
Dito isso, quero lhe explicar o que você jamais viverá. Perder a virgindade não é uma sensação incrível. Aliás, está bem longe disso. Não existe uma mulher que diga que foi bacana o desconforto, a dor ou mesmo a falta de jeito. É ruim. Mas isso, você verá. O que não vai saber é que viver tudo isso com quem você gosta, confia ou tem alguma amizade, é muito melhor.
A maioria de nós (mulheres mais "modernas", digamos) não perdeu a virgindade com quem nos casaríamos. Bobagem. Mas perdemos com quem gostávamos – e ainda assim foi ruim, vale dizer. Sim, você tem uma vantagem sobre a gente: vai sair com 1 milhão e meio no bolso, mas e daí? 
Veja bem, não acho que um hímen é capaz de julgar ou apontar o caráter de alguém. Só lamento o fato de você não perceber que o que está fazendo só vai prejudicar sua própria história. É claro que você não precisava dessa grana para estudar. Se foi por autopromoção, deu certo. Não há um jornal que não fale sobre você. Mas ainda assim, lamento.
Lamento a falta de romance, lamento a falta de noção de prostituição (ou será que você percebeu isso?), lamento a personalidade perdida, lamento o não romantismo (ainda mais aos 20 anos!), lamento a necessidade do dinheiro, lamento você ter de beijar na boca um japonês que nunca viu, lamento ter de abraçá-lo, lamento ter de fingir que está gostando, lamento você não esperar o telefonema dele pela manhã, lamento você não ter nem que se preocupar com isso, lamento até a desilusão que você nem vai viver (pois ela já está descrita no seu contrato)...
Claro que você terá uma história: vai perder a virgindade dentro de um avião. É para poucos, deve-se dizer. E você ainda vai ganhar muito dinheiro por isso - o que também é para poucos. Mas o que nós, a maioria das mulheres pobres mortais, vivemos e sonhamos ainda é bem mais valioso que seu milhão. Com sua história, percebo agora que mesmo com tantas desilusões e quase sem nenhum dinheiro aos 20, ainda tive mais sorte que você.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Somos (todas) princesas


Contos de fadas destruíram a vida amorosa das mulheres. De princesa a princesa foram se alastrando e contaminando cada menina, adolescente, mulher. Não há nada que podemos fazer a respeito. Foi um ataque devastador e já dura anos.
Já tive teorias mil a respeito. Muitas delas escritas nesse blog mal lido, mal escrito, mal visto. Tanto faz. O fato é: sapos são sapos, e homens são homens. Nunca beijaremos o certo, nem o errado. Mas a crença de que o príncipe virá ficará eternamente na memória de cada menina – não importando se ela tem 4 ou 60 anos. 
O príncipe chegará em algum momento e vai resgatar a mocinha da torre, da madrasta malvada, da bruxa, do trabalho, da independência exagerada, dos pensamentos individualistas, do egoísmo... Ele virá – claro que virá.
Não existe um filme sem isso. Não existe livro sem isso (o mais recente tem tons de cinza, menina virgem e um homem maduro traumatizado e sexualmente ativo - qualquer relação com a realidade não é coincidência). E no fim tudo é salvação. O amor salva, dizem.
Já escrevi sobre a pele verde dos homens comedores de mosquitos (desde que tenham um corpo gostoso, claro), sobre os baixinhos (mesmo que bem altos) com pele gosmenta e língua comprida que volta e meia insistimos em vestir com a roupa de príncipe. Aquela roupa está no armário da memória de cada uma de nós mocinhas indefesas. A gente simplesmente tira ela (mesmo que empoeirada) do guarda-roupa e veste o moço verde. O problema é que muitas vezes, como acontece com o tal sapatinho, o traje não cai bem no moço. Mas, como em um lindo filme de amor, acreditamos que no final o homem certo servirá na roupa branca e nos levará para um mundo de sonhos. E... ele estará em seu lindo cavalo branco, com os cabelos ao vento (mesmo que seja careca) e uma espada para arrancar a cabeça de qualquer espertinho que queira nos resgatar antes dele.
No fundo não importa muito o número de decepções que você já teve. Se é mulher, vai querer ser a princesa de alguém. Nem que isso demore mais tempo do que imaginava; nem que ele saia de um livro idiota; nem que a vida insista em te mostrar que sapos nunca virarão príncipes. Ainda assim sua cabeça jamais desistirá, está programada para histórias encantadas e extraordinárias e, dessa forma, não aceitará nada menos do que isso. De jeito nenhum. 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

São Pedro parou!


Complicou. São Pedro entrou em greve. Estava cansado de tantas reclamações. Muita chuva traz enchentes, tragédias, mortes, acidentes, trânsito, caos... todo mundo reclamava. Então, desistiu. Sentou na sua nuvem predileta e lá ficou.
Achou que alguém iria reclamar sua falta, mas não. Com o passar dos dias, ninguém reclamou. Nada. Nem mesmo no céu. Na verdade, ninguém reparou que aquele homem forte, que vive arrastando móveis e fazendo uma barulheira danada, estava sentado há dias.
20 dias e nenhuma oração. Nenhum pedido. Nada (de novo). Começou a pensar na vida e reparou que raramente alguém clamava por seu nome, ou acendia uma vela. Existia, claro, mas era mais difícil. As pessoas gostavam mesmo do Antonio, do Francisco, do José. Já o Pedro...
Até que passamos dos 60 dias. Mais de 60 dias de sol a pino, calor de verão em pleno inverno. Crianças em hospitais com dificuldade de respirar, umidade do ar baixíssima, as peles cada vez mais secas e opacas, exercícios ao ar livre já são impraticáveis... E, finalmente, ele ouviu gente clamando pela chuva. Mas nem se abalou. São Pedro estava bravo.
Jesus, então, olhou para São Paulo e perguntou de Pedro. Saiu a sua procura e o encontrou tomando a tradicional limonada (ele é louco por limão, veja só) e em uma conversa franca tentou colocar juízo na cabeça de um de seus fieis escudeiros. Mas Pedro estava decidido a continuar a greve até que as pessoas reconhecessem seu valor. Ele merecia isso. O “pior” é que Jesus entendeu. Achava justo a luta do amigo e apenas recomendou: “lembre-se, eles são humanos, não sabem o que fazem”.
Pedro sabia, mas queria que a chuva fosse mais valorizada e, como consequência, sua importância também. Sabia que já tinha gente organizando dança, rezando pela água como se fosse benta. Mas ele queria mais. Esse era (enfim) o seu momento.
Enquanto isso, nós (os humanos desavisados e desinformados) continuamos rezando pela chuva. Porque se até os santos começarem a fazer greve, o que será de nós? (com chuva ou sem ela)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Ambiguidade, livros e ironia


Sabia que tudo podia dar errado. Aliás, tinha certeza de que daria. Mas... decidida, topou. Seguiria pela trilha desconhecida, na esperança de um final feliz. 
Preparou um kit com necessidades básicas que incluíam coragem, determinação, bom humor, algumas doses de tolerância, outras de paciência. Assim, quem sabe o resultado não seria cheio de risadas?
Tudo isso deixou a bolsa mais pesada do que deveria. O maior peso ficou por conta do medo de cair. Sabia que era o risco que corria, por isso decidiu ir sem salto – assim manteria os pés fincados no chão. Nada de escorregar ou balançar, a trilha era íngreme demais e não havia onde segurar. Era preciso encarar o novo e seguir em frente.
Com sua personalidade forte achou que precisaria de muito jogo de cintura para encarar, mas não. Viu que não estava só. Ele carregou sua bolsa e colocou ali coisas dele também. Tudo o que era preciso estava dentro daquela pesada bolsa amarela. Juntos, encaram os altos e baixos.
Ao longo do caminho suas pernas doíam, sua cabeça rodava, seu bom humor titubeava, sua tolerância gritava, sua coragem escapava, a paciência se esgotava... mas a determinação não abandonava (ainda bem).
A paisagem ajudava: bambus energizavam, micos acalmavam e as borboletas coloriam. Enfim, o destino: Cachoeira da Feiticeira. De feitiço não se via muito – talvez o fato de terem chegado até ali. Mas valeu as risadas e o banho de água fria (literalmente).
Na volta, com uma bolsa mais vazia, o medo já não pesava. O maior peso tinha um nome mais ameno: livros. Dois gordos romances – o dele e o meu. Porque, afinal, se você se perder no meio mato, quebrar a perna em uma trilha difícil ou mesmo quando não aguentar mais andar, você vai precisar de um livro para te acompanhar (e de muita ironia, acredite).  

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sem pelos, nem remorso

Ela estava cansada. O trabalho, a vida, os filhos e um marido que mais atrapalhava do que ajudava. Estava sempre devendo: banco, bar, amigos, jogo... tudo sobrava para ela. Cansava demais.
Depiladora há anos, adorava o que fazia. Suas clientes não entendiam muito bem como poderia gostar tanto de tirar pelos de lugares que mais ninguém via – nem mesmo num exame ginecológico. Mas ela adorava. Se especializou na área. Sabia que era a melhor no que fazia.
Uma de suas clientes garantia que confiava tanto nela, que seria capaz de deixar seus filhos para a depiladora cuidar. Ela se orgulhava disso. Achava gratificante.
Trabalhar era sua válvula de escape. Voltar para casa era sempre o pior momento do dia. Encontrar o marido devedor, bêbado caído sobre a cama era demais para ela. Perdeu as contas de quantas vezes chegou e teve de limpar vômitos... Era injusto demais.
Quando comentava no trabalho, suas clientes e amigas aconselhavam o mesmo: "abandone esse homem, antes que ele acabe com você". Mas a verdade é que não podia. Não sabia explicar exatamente. Talvez fosse sua culpa católica (e o 'até a morte os separe'); talvez fosse por acreditar que deveria arcar com as consequências da péssima escolha que fez; talvez por pena dele. Não sabia dizer ao certo. E ainda havia um agravante, ela jamais sairia da casa que comprou e reformou com tanto custo e gosto. Além disso,  sabia que ele também não iria – simplesmente porque não tinha para onde ir. E, ainda, ela não mandaria o pai dos seus filhos para debaixo da ponte.
Resignada continuou sua jornada. Até que um dia, chegando em casa, deu de cara com o sujeito com quem se casou 25 anos antes. Estava sujo, fedia a cachaça e urina... Ela já tinha visto mendigos em melhores condições do que ele. Enfiou o homem debaixo do chuveiro, esfregou e aguentou todos os xingamentos que ouviu. Depois de vestido, ela disse: "devia te mandar embora". E ele, cheio de audácia e sem nenhuma moral, retrucou: "só se você me matar". 
Cansada, ela respirou fundo, foi até a gaveta, tirou o revólver que era dele – da época que trabalhou como segurança – apontou e atirou. Ao invés da ponte, ela o mandou para debaixo da terra. 
Hoje, presa há 2 anos, suas clientes esperam ansiosamente pela sua saída da cadeia. Afinal, ninguém tira pelos como ela. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Numa ridícula cena pessimista


Alguém disse que no final tudo dá certo. Se não está certo, logo seu final não chegou. Me parece uma visão simplista demais. Mas, não deixa de ser bem otimista. A verdade é que às vezes o otimismo falha. Simplesmente ele para para descansar naquele cantinho da sala difícil de alcançar. Ali, naquela quina pequenininha que nem você, nem seu aspirador conseguem limpar completamente.
Parado naquele canto, ele parece bem menor do que quando está ao seu lado, disposto e sorridente. O bendito ali, não tem cor, nem é quente e desconhece a fé. Na quina, o otimismo está mais parecido com o pó que paira a sua volta.
Pensando que é preciso retirar o dito cujo dali, você se vê disposto a pegar a britadeira escondida debaixo do tanque, quebrar a parede e todos os canos detrás dela. Talvez, abrindo um buraco, ele nunca mais se canse e fique sempre de prontidão para os dias necessitados.
O problema é que sem o otimismo o pessimismo está de plantão. E, com aquela cara sádica te faz sofrer com a sujeira que a britadeira fará. A decoração já não será a mesma com um buraco na parede e os canos precisam ficar ali para levar alguma água para algum lugar.
Você desiste da britadeira. Decide tentar uma música. Quem sabe o otimismo não se anima a dançar? Mas parece que o pessimismo é o DJ do momento. As canções, mesmo as mais animadas, estão tristes, têm letras deprimentes ou ritmos melancólicos. Precisa de outra forma de se livrar dessa presença grotesca que não te deixa trabalhar, atrapalha o pensamento, faz com que nada tenha graça.
Decide então enfrentar o tal fulano. Era apelativo, mas sabia que seria o único jeito. Parado em frente ao espelho, você o encara. Como é feio, pensa. Cheio de rugas, olhos quase fechados, sorriso de alguém neurótico. 
Aí, olhando bem pra ele, você começa a pensar no ridículo daquela situação. O que os outros diriam se te vissem ali, enfrentando algo que você mesmo criou? Você seria internado ou “apenas” ridicularizado? Encarando o cúmulo daquela situação lamentável em que se encontra, você passa então a rir de si mesmo. Ri sem nenhuma noção do que fará para resolver todos os problemas, mas sabe que precisa rir ou vai pirar. 
Depois de alguns minutos, quando você olha o espelho novamente, vê outra cara. Ele voltou para rir de você. Com você. Porque a única frase simplista e verdadeira é saber que rir (ainda) é o melhor remédio - em qualquer situação (com otimismo ou sem ele). 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Deus e o Café


Ele sabia que precisava começar. Havia prometido a Si mesmo que começaria e terminaria – nada de preguiça, sono ou fome – essas seriam necessidades de criaturas que Ele ainda criaria.
Aquele Paraíso andava chato. Antes, caminhar por ali, descansar, trabalhar em seu laboratório de criação parecia muito divertido. Mas, agora, passados mais de mil anos, Ele queria novos desafios. Estava mais velho, mais experiente e descobriu nos tubos de ensaio que poderia fazer muito mais.
Passou os últimos 100 anos desenhando projetos extraordinários. Cores divinas, plantas coloridas, micro-organismos nojentos e necessários para uma biodiversidade complexa, bichos estranhos, uma cadeia de alimentação funcional e, claro, os seres humanos – a única espécie que teria falhas. Uma de Suas mais idiotas decisões, diga-se.
Ele acreditou que as falhas humanas fariam com que esses seres erectus  aprendessem com seus erros. Seriam burros propositadamente, pois só assim poderiam acertar, pensar, estudar e amar. Esses seres imbecis andariam em duas pernas e seriam capazes de amar uns aos outros e assim fazer um mundo pensante.
Toda essa ideia veio de uma bobagem que Ele viu no universo paralelo – sua referência (afinal, todos precisamos de uma) . Por não existir quase nada naquela época, alguns poucos alienígenas – que até hoje Ele não sabe quem os criou ou de onde vieram – faziam testes em um universo paralelo. Os testes eram tão bem montados, que viravam desfiles para toda a galáxia, com histórias, personagens bizarros e dança. 
Agora havia chegado a hora de colocar a mão na massa. Arregaçar as mangas e só parar quando o produto final estivesse pronto. Para isso, decidiu que precisava de algum estimulante. Sabia que Se cansaria em algum momento, caso não tivesse alguma coisa que desse vigor, energia. Lembrou de uma de suas experiências: um grão escuro criado a partir de um composto estranho (já não lembrava mais). Decidiu moer os poucos exemplares que ainda tinha e colocar água quente. Um líquido forte, cheiroso, amargo e negro apareceu ao fundo. Experimentou e achou divino.
Assim, antes dos 7 dias de trabalho intenso, Deus criou o café. Afinal, mas do que ninguém, Ele precisava.    

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Pequenas vitórias, grandes quedas


Ninguém percebe, mas todos os dias sobrevivemos. Sobrevivemos aos acidentes (que não aconteceram). Sobrevivemos depois de frustrações. Sobrevivemos quando falta dinheiro, lidando com traições, ouvindo ligações tristes, sendo cobrados, deitados com gripe, constatando fatos tardios, decepcionando e sendo decepcionados. Somos sobreviventes do nosso próprio dia a dia. Pequenos náufragos de uma ilha interna, habitada por um povo estranho, chamado de neurônios.
Mas somos também vitoriosos. Todos os dias alguma coisa (mesmo que seja ridícula) faz com que a gente sinta orgulho de ser quem é. Só que, sobrevivendo aos problemas, nem reparamos nessas pequenas glórias. Tudo passa desapercebido. 
Uma das personagens de Clarice Lispector diz que a cada dia temos pequenas vitórias e grandes quedas. É preciso ficar alerta. Olhar pra dentro é analisar suas perdas e também seu aprendizado. Mas, muito mais do que isso, é pensar nos seus ganhos. 
Comemorar sozinho e internamente (que seja) uma pequena felicidade do dia, um crescimento, uma palavra certa (dita ou lida), uma música, uma atitude... 
é fazer valer o que é bom. 
Rir para o espelho, rir para dentro ou simplesmente rir sozinho deitado no sofá pode ser mais gostoso do que assistir um filme bobo – mesmo quando é segunda-feira, chove e faz frio. 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Epifania


Tudo o que revemos se torna novo, de novo. É como aquela velha frase: o rio nunca mais será o mesmo, muita água passou e a gente também mudou.
Rever, reviver, revisitar... nos faz perceber o quanto mudamos ao longo do tempo. Um livro não terá a mesma percepção quando relido. Um filme, uma série ou, até, um grande amor.
Como na música do Jorge Drexler: “nada se pierde, todo se transforma”. Verdad! E a transformação pode nos trazer grandes revelações, que no primeiro momento ninguém viu. Quase como uma epifania – com o perdão do exagero cristão.
Sob um novo olhar podemos ver para que lado o amor foi. Aquela sensação de que aquilo que nunca se entendeu direito, se torna completamente simples e até banal. Passa a ter sentido. E o mais bobo de tudo: percebemos que não fomos os únicos a se sentir assim. O cinema já explicou e encenou o que você viveu muitas vezes. As séries também mostraram, e os livros continuam contando, e contando, e contando... Além disso, com o tempo você ainda passa a relacionar a sua história com a de outros milhares amigos, e amigos de amigos... Afinal, se todo mundo já passou por isso, o que era tão especial nela?
Não, não havia nada de inédito. Nenhuma grande frase que nunca foi dita, nenhum “eu te amo” tão surpreendente, nenhuma filosofia que não fosse (até) um pouco barata.
Pense nas histórias: Quantas vezes não ouvimos que homem incapaz de assumir um compromisso, se casa com outra poucos meses depois? Quantas vezes o lado seguro de alguém cheio de opiniões não fez com que o outro sentisse uma insegurança tamanha, que o fez desistir? Quantas vezes alguém importante parou de ligar, de escrever, de mandar sinal de fumaça, sem mais explicações? Quantas vezes não vimos essas histórias se repetirem em um masoquismo constante – no cinema, nas séries e, claro, na vida?
Não há nada de amargo nisso. Nenhuma mágoa embutida no contexto. Nenhum novo sentimento, são apenas os velhos – revisitados em uma conversa de bar, com várias histórias parecidas.
Depois de alguns anos, entendemos que nem sempre somos valorizados como deveríamos. Entendemos que algumas pessoas simplesmente não enxergam como vemos. E que isso não se chama medo, não se chama falta de amor... não tem nome. Não é nada. Nada. Nada mesmo.
É só a água de um rio que passou. E que, da próxima vez, você promete se posicionar em outro lugar da margem – quem sabe o ineditismo finalmente acontece? 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

20 anos depois


Acordou cedo e desceu a serra. Já no carro, percebeu que aquele não seria um dia comum. Até as músicas pareciam fazer parte da trilha sonora de um cenário que não esperava reconhecer tão bem. Quando chegou ao seu destino e entrou pelos grandes portões de ferro, percebeu: tinha voltado no tempo. Apesar do salto que antigamente não usava, das roupas mais modernas, da falta do aparelho nos dentes e do corte de cabelo... tinha certeza: estava com 13 anos de novo. Seria possível?
Em cada passo que dava, aquilo se confirmava. Os muros tinham as mesmas cores, o chão ainda era o mesmo. As quadras estavam reformadas, mas mantinham o mesmo estilo... e, olhando cada rosto que ali estava, veio a confirmação chocante: era 1992!
Claro que a máquina do tempo não foi completamente perfeita. Deixou os cabelos brancos, apresentou algumas rugas, mudou o formato físico de muitos de nós. Mas, juntos, ali, naquela escola, ainda éramos os mesmos.
Parecia que o espaço de tempo que nos afastou foi apagado. Uma grande dobra colou o fim 1992 para o início de 2012. 20 anos de histórias paralelas, em que a intimidade não se perdeu.
Mas, perdemos, claro, nossas atualizações. Depois de informados, passamos a fazer coisas bem mais importantes do que falar da vida atual: explorar as antigas salas de aula, o laboratório de ciências (dessa vez sem choque), mexer com os esqueletos, tirar fotos de bobagens, tirar sarro com as etiquetas que usávamos – totalmente desnecessárias, percebemos depois.
Ali, naquele colégio de freiras, estavam os primeiros amores, os beijos escondidos, as fofocas sobre as madres, as colas, as provas, os campeonatos de futebol, de handball, os convites dos bailinhos... Nos corredores se escondiam as loiras dos banheiros (agora novos), as fugas das aulas, algumas brigas, a ida para a diretoria. Na capela, a oração semanal, sempre com risadinhas sobre confissões, declarações... tudo sem culpa – e, por isso, fomos perdoados!
Antes de entrar nessa tal máquina do tempo achei que estava livre dessa saudade. Depois de encontrar essas pessoas, muitas delas com mais de 20 anos de total ausência, percebi o quanto elas me fizeram falta. Vi que é possível – e muito fácil – resgatar sentimentos. Naquele sábado, provamos que (pelo menos) aquela juventude não está perdida. Ela só parou de se encontrar.
Agora sei que podem passar mais 20, 30, 50 anos. Ainda teremos os mesmos 13 anos de bobeiras, inseguranças e muitas risadas. Ainda bem!