sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sem pelos, nem remorso

Ela estava cansada. O trabalho, a vida, os filhos e um marido que mais atrapalhava do que ajudava. Estava sempre devendo: banco, bar, amigos, jogo... tudo sobrava para ela. Cansava demais.
Depiladora há anos, adorava o que fazia. Suas clientes não entendiam muito bem como poderia gostar tanto de tirar pelos de lugares que mais ninguém via – nem mesmo num exame ginecológico. Mas ela adorava. Se especializou na área. Sabia que era a melhor no que fazia.
Uma de suas clientes garantia que confiava tanto nela, que seria capaz de deixar seus filhos para a depiladora cuidar. Ela se orgulhava disso. Achava gratificante.
Trabalhar era sua válvula de escape. Voltar para casa era sempre o pior momento do dia. Encontrar o marido devedor, bêbado caído sobre a cama era demais para ela. Perdeu as contas de quantas vezes chegou e teve de limpar vômitos... Era injusto demais.
Quando comentava no trabalho, suas clientes e amigas aconselhavam o mesmo: "abandone esse homem, antes que ele acabe com você". Mas a verdade é que não podia. Não sabia explicar exatamente. Talvez fosse sua culpa católica (e o 'até a morte os separe'); talvez fosse por acreditar que deveria arcar com as consequências da péssima escolha que fez; talvez por pena dele. Não sabia dizer ao certo. E ainda havia um agravante, ela jamais sairia da casa que comprou e reformou com tanto custo e gosto. Além disso,  sabia que ele também não iria – simplesmente porque não tinha para onde ir. E, ainda, ela não mandaria o pai dos seus filhos para debaixo da ponte.
Resignada continuou sua jornada. Até que um dia, chegando em casa, deu de cara com o sujeito com quem se casou 25 anos antes. Estava sujo, fedia a cachaça e urina... Ela já tinha visto mendigos em melhores condições do que ele. Enfiou o homem debaixo do chuveiro, esfregou e aguentou todos os xingamentos que ouviu. Depois de vestido, ela disse: "devia te mandar embora". E ele, cheio de audácia e sem nenhuma moral, retrucou: "só se você me matar". 
Cansada, ela respirou fundo, foi até a gaveta, tirou o revólver que era dele – da época que trabalhou como segurança – apontou e atirou. Ao invés da ponte, ela o mandou para debaixo da terra. 
Hoje, presa há 2 anos, suas clientes esperam ansiosamente pela sua saída da cadeia. Afinal, ninguém tira pelos como ela. 

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