quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Coluna do Meio


Vi o escritor Leandro Narloch falando que as pessoas que não acreditam na “direita” ou “esquerda” no Brasil são hippies. Confesso que tive vontade de sair por aí usando longos esvoaçantes e tirinhas de couro na cabeça. No entanto, me defendo como parte integrante da “coluna do meio”. Estou bem ali, onde as pessoas conseguem admirar a beleza dos dois mundos, criticar todas as traições e, às vezes, opinar (mesmo sem muita empolgação).
Não sou a única. Sei que uns nos chamam de “em cima do muro” ou “quase alienados”. Pura intriga. Quem está na coluna do meio vota em pessoas e não em partidos. E essas pessoas estão também sob suspeita, diga-se. Podem perder o voto no mesmo momento que fizerem a primeira besteira. Gente da “coluna do meio” não vê zebra, simplesmente não confia mais e pronto. Nada de justificativas.
Honestamente, para um país democrático, somos Uó. De coração. A blogueira de Cuba veio nos visitar e foi criticada por uma porção de tontos (sim, eu escrevi tontos) que acreditam em um socialismo perfeito. Será que ainda não descobriram que o socialismo só fica bonito no papel? Quantos anos têm?
Imagine só a felicidade de uma garota (mulher) sair do país para visitar o Brasil. Independentemente de política quem sai de Cuba com autorização já se dá por feliz. Repare que na frase anterior usei a palavra: autorização. Será que quem criticou ou julgou Yoani sabe o que é viver precisando de uma? Não poder ganhar o quanto precisaria para ter uma vida melhor, não poder escolher a própria carreira, ter de trabalhar onde o governo lhe consegue emprego... não saber o que acontece no mundo lá fora e nem poder sonhar que um dia vai conhecer algum outro lugar. Sim, Yoani está feliz apesar de todos os tontos que lhe fizeram uma cena.
Fiquei um mês em Cuba. Conheci uma senhora, dona da casa que me acolheu (em troca de dinheiro - porque mesmo no socialismo a vida é assim), que aos 84 anos (em 2010) me confidenciou que seu sonho de adolescência era conhecer o Brasil. Quando menina poderia ter vindo, mas agora... lamentava não ter dinheiro para comprar manteiga, nem shampoo ou sabonete. Alugava o quarto da sua casa e dos 25 CUCs que me cobrava por noite, dava 15 para o governo. Saí de lá de deixando dinheiro extra, shampoos e sabonetes (a manteiga não tive como resolver).
Andando pelas ruas cubanas me perguntava “isso funciona”? A resposta está nos edifícios descascados, na roupa puída e em muitos pés descalços. O Socialismo, essa coisa lindamente escrita, é um fracasso na prática. E os tontos que o defendem deveriam viver lá, mas - ainda assim, claro - nunca serão tratados como os cubanos são. Porque, quem é de fora, tem dinheiro diferente, preços diferentes e sentam em mesas diferenciadas.
É fácil falar do telhado vizinho. Assim como é fácil tirar um sorriso de um cubano. Eles representam o tipo de povo que sofre e ri – não sabemos o que é isso. Ao menos minha geração não sabe. Quem viveu a ditadura pode dizer que sabe disso. Eu não posso, e os tontos que criticam Yoani também não podem. Calem-se, por favor. Não precisam concordar com ela, apenas não atrapalhem. 
Querida cubana, creia que a maioria de nós (brasileiros) não somos representados por esses poucos. Sim, aqui nós temos o direito de falar, aqui nós temos todo o tipo de imprensa, e aqui também acreditamos em uma porção de religião e ninguém briga por isso. Pode não parecer, mas - em geral - respeitamos a opinião alheia.
Ouso comparar política com religião. Não apenas por serem dois assuntos que não devemos discutir, mas por termos o direito acreditar no que quer que seja. Por sabermos (ou deveríamos saber) que alguém de direita não defende a ditadura e que alguém de esquerda não odeia o dinheiro. Por sabermos respeitar juízes, desembargadores e diplomatas que são esquerdistas (incluo também muitos artistas) que ganham muito dinheiro e não dividem com ninguém. Também respeitamos aqueles que acreditam na visão de poder do mais rico sobre o mais fraco, e toda sua capacidade de liderança – mesmo que, às vezes, julguem de forma nada condescendente. Ou ainda os alienados da eterna Jovem Guarda, ou os famosos em cima do muro. Respeitamos todos eles. De verdade. 
Por isso, proponho que lavemos juntos as escadarias dessa igreja chamada democracia. Sim, devemos protestar. Mas vamos lembrar que, aqui, podemos eleger, sair nas ruas, escrever, gritar, processar, escolher, saldar, ler o que tivermos vontade e não precisamos nos justificar. E isso, é uma glória – podem perguntar para Yoani – se a deixarem falar, claro. 

domingo, 28 de outubro de 2012

Carta para uma virgem


Querida,

Escrevo para te contar uma história que, infelizmente, você não vai viver. Mas, antes, preciso pedir desculpas e justificar essa “carta”. Sou romântica. Contrariando minha idade (agora ainda mais velha) e todas as histórias amorosas já vividas, sou assim. Não há nada a fazer. Talvez lamentar - mas é o máximo.
Dito isso, quero lhe explicar o que você jamais viverá. Perder a virgindade não é uma sensação incrível. Aliás, está bem longe disso. Não existe uma mulher que diga que foi bacana o desconforto, a dor ou mesmo a falta de jeito. É ruim. Mas isso, você verá. O que não vai saber é que viver tudo isso com quem você gosta, confia ou tem alguma amizade, é muito melhor.
A maioria de nós (mulheres mais "modernas", digamos) não perdeu a virgindade com quem nos casaríamos. Bobagem. Mas perdemos com quem gostávamos – e ainda assim foi ruim, vale dizer. Sim, você tem uma vantagem sobre a gente: vai sair com 1 milhão e meio no bolso, mas e daí? 
Veja bem, não acho que um hímen é capaz de julgar ou apontar o caráter de alguém. Só lamento o fato de você não perceber que o que está fazendo só vai prejudicar sua própria história. É claro que você não precisava dessa grana para estudar. Se foi por autopromoção, deu certo. Não há um jornal que não fale sobre você. Mas ainda assim, lamento.
Lamento a falta de romance, lamento a falta de noção de prostituição (ou será que você percebeu isso?), lamento a personalidade perdida, lamento o não romantismo (ainda mais aos 20 anos!), lamento a necessidade do dinheiro, lamento você ter de beijar na boca um japonês que nunca viu, lamento ter de abraçá-lo, lamento ter de fingir que está gostando, lamento você não esperar o telefonema dele pela manhã, lamento você não ter nem que se preocupar com isso, lamento até a desilusão que você nem vai viver (pois ela já está descrita no seu contrato)...
Claro que você terá uma história: vai perder a virgindade dentro de um avião. É para poucos, deve-se dizer. E você ainda vai ganhar muito dinheiro por isso - o que também é para poucos. Mas o que nós, a maioria das mulheres pobres mortais, vivemos e sonhamos ainda é bem mais valioso que seu milhão. Com sua história, percebo agora que mesmo com tantas desilusões e quase sem nenhum dinheiro aos 20, ainda tive mais sorte que você.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Somos (todas) princesas


Contos de fadas destruíram a vida amorosa das mulheres. De princesa a princesa foram se alastrando e contaminando cada menina, adolescente, mulher. Não há nada que podemos fazer a respeito. Foi um ataque devastador e já dura anos.
Já tive teorias mil a respeito. Muitas delas escritas nesse blog mal lido, mal escrito, mal visto. Tanto faz. O fato é: sapos são sapos, e homens são homens. Nunca beijaremos o certo, nem o errado. Mas a crença de que o príncipe virá ficará eternamente na memória de cada menina – não importando se ela tem 4 ou 60 anos. 
O príncipe chegará em algum momento e vai resgatar a mocinha da torre, da madrasta malvada, da bruxa, do trabalho, da independência exagerada, dos pensamentos individualistas, do egoísmo... Ele virá – claro que virá.
Não existe um filme sem isso. Não existe livro sem isso (o mais recente tem tons de cinza, menina virgem e um homem maduro traumatizado e sexualmente ativo - qualquer relação com a realidade não é coincidência). E no fim tudo é salvação. O amor salva, dizem.
Já escrevi sobre a pele verde dos homens comedores de mosquitos (desde que tenham um corpo gostoso, claro), sobre os baixinhos (mesmo que bem altos) com pele gosmenta e língua comprida que volta e meia insistimos em vestir com a roupa de príncipe. Aquela roupa está no armário da memória de cada uma de nós mocinhas indefesas. A gente simplesmente tira ela (mesmo que empoeirada) do guarda-roupa e veste o moço verde. O problema é que muitas vezes, como acontece com o tal sapatinho, o traje não cai bem no moço. Mas, como em um lindo filme de amor, acreditamos que no final o homem certo servirá na roupa branca e nos levará para um mundo de sonhos. E... ele estará em seu lindo cavalo branco, com os cabelos ao vento (mesmo que seja careca) e uma espada para arrancar a cabeça de qualquer espertinho que queira nos resgatar antes dele.
No fundo não importa muito o número de decepções que você já teve. Se é mulher, vai querer ser a princesa de alguém. Nem que isso demore mais tempo do que imaginava; nem que ele saia de um livro idiota; nem que a vida insista em te mostrar que sapos nunca virarão príncipes. Ainda assim sua cabeça jamais desistirá, está programada para histórias encantadas e extraordinárias e, dessa forma, não aceitará nada menos do que isso. De jeito nenhum. 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

São Pedro parou!


Complicou. São Pedro entrou em greve. Estava cansado de tantas reclamações. Muita chuva traz enchentes, tragédias, mortes, acidentes, trânsito, caos... todo mundo reclamava. Então, desistiu. Sentou na sua nuvem predileta e lá ficou.
Achou que alguém iria reclamar sua falta, mas não. Com o passar dos dias, ninguém reclamou. Nada. Nem mesmo no céu. Na verdade, ninguém reparou que aquele homem forte, que vive arrastando móveis e fazendo uma barulheira danada, estava sentado há dias.
20 dias e nenhuma oração. Nenhum pedido. Nada (de novo). Começou a pensar na vida e reparou que raramente alguém clamava por seu nome, ou acendia uma vela. Existia, claro, mas era mais difícil. As pessoas gostavam mesmo do Antonio, do Francisco, do José. Já o Pedro...
Até que passamos dos 60 dias. Mais de 60 dias de sol a pino, calor de verão em pleno inverno. Crianças em hospitais com dificuldade de respirar, umidade do ar baixíssima, as peles cada vez mais secas e opacas, exercícios ao ar livre já são impraticáveis... E, finalmente, ele ouviu gente clamando pela chuva. Mas nem se abalou. São Pedro estava bravo.
Jesus, então, olhou para São Paulo e perguntou de Pedro. Saiu a sua procura e o encontrou tomando a tradicional limonada (ele é louco por limão, veja só) e em uma conversa franca tentou colocar juízo na cabeça de um de seus fieis escudeiros. Mas Pedro estava decidido a continuar a greve até que as pessoas reconhecessem seu valor. Ele merecia isso. O “pior” é que Jesus entendeu. Achava justo a luta do amigo e apenas recomendou: “lembre-se, eles são humanos, não sabem o que fazem”.
Pedro sabia, mas queria que a chuva fosse mais valorizada e, como consequência, sua importância também. Sabia que já tinha gente organizando dança, rezando pela água como se fosse benta. Mas ele queria mais. Esse era (enfim) o seu momento.
Enquanto isso, nós (os humanos desavisados e desinformados) continuamos rezando pela chuva. Porque se até os santos começarem a fazer greve, o que será de nós? (com chuva ou sem ela)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Ambiguidade, livros e ironia


Sabia que tudo podia dar errado. Aliás, tinha certeza de que daria. Mas... decidida, topou. Seguiria pela trilha desconhecida, na esperança de um final feliz. 
Preparou um kit com necessidades básicas que incluíam coragem, determinação, bom humor, algumas doses de tolerância, outras de paciência. Assim, quem sabe o resultado não seria cheio de risadas?
Tudo isso deixou a bolsa mais pesada do que deveria. O maior peso ficou por conta do medo de cair. Sabia que era o risco que corria, por isso decidiu ir sem salto – assim manteria os pés fincados no chão. Nada de escorregar ou balançar, a trilha era íngreme demais e não havia onde segurar. Era preciso encarar o novo e seguir em frente.
Com sua personalidade forte achou que precisaria de muito jogo de cintura para encarar, mas não. Viu que não estava só. Ele carregou sua bolsa e colocou ali coisas dele também. Tudo o que era preciso estava dentro daquela pesada bolsa amarela. Juntos, encaram os altos e baixos.
Ao longo do caminho suas pernas doíam, sua cabeça rodava, seu bom humor titubeava, sua tolerância gritava, sua coragem escapava, a paciência se esgotava... mas a determinação não abandonava (ainda bem).
A paisagem ajudava: bambus energizavam, micos acalmavam e as borboletas coloriam. Enfim, o destino: Cachoeira da Feiticeira. De feitiço não se via muito – talvez o fato de terem chegado até ali. Mas valeu as risadas e o banho de água fria (literalmente).
Na volta, com uma bolsa mais vazia, o medo já não pesava. O maior peso tinha um nome mais ameno: livros. Dois gordos romances – o dele e o meu. Porque, afinal, se você se perder no meio mato, quebrar a perna em uma trilha difícil ou mesmo quando não aguentar mais andar, você vai precisar de um livro para te acompanhar (e de muita ironia, acredite).  

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sem pelos, nem remorso

Ela estava cansada. O trabalho, a vida, os filhos e um marido que mais atrapalhava do que ajudava. Estava sempre devendo: banco, bar, amigos, jogo... tudo sobrava para ela. Cansava demais.
Depiladora há anos, adorava o que fazia. Suas clientes não entendiam muito bem como poderia gostar tanto de tirar pelos de lugares que mais ninguém via – nem mesmo num exame ginecológico. Mas ela adorava. Se especializou na área. Sabia que era a melhor no que fazia.
Uma de suas clientes garantia que confiava tanto nela, que seria capaz de deixar seus filhos para a depiladora cuidar. Ela se orgulhava disso. Achava gratificante.
Trabalhar era sua válvula de escape. Voltar para casa era sempre o pior momento do dia. Encontrar o marido devedor, bêbado caído sobre a cama era demais para ela. Perdeu as contas de quantas vezes chegou e teve de limpar vômitos... Era injusto demais.
Quando comentava no trabalho, suas clientes e amigas aconselhavam o mesmo: "abandone esse homem, antes que ele acabe com você". Mas a verdade é que não podia. Não sabia explicar exatamente. Talvez fosse sua culpa católica (e o 'até a morte os separe'); talvez fosse por acreditar que deveria arcar com as consequências da péssima escolha que fez; talvez por pena dele. Não sabia dizer ao certo. E ainda havia um agravante, ela jamais sairia da casa que comprou e reformou com tanto custo e gosto. Além disso,  sabia que ele também não iria – simplesmente porque não tinha para onde ir. E, ainda, ela não mandaria o pai dos seus filhos para debaixo da ponte.
Resignada continuou sua jornada. Até que um dia, chegando em casa, deu de cara com o sujeito com quem se casou 25 anos antes. Estava sujo, fedia a cachaça e urina... Ela já tinha visto mendigos em melhores condições do que ele. Enfiou o homem debaixo do chuveiro, esfregou e aguentou todos os xingamentos que ouviu. Depois de vestido, ela disse: "devia te mandar embora". E ele, cheio de audácia e sem nenhuma moral, retrucou: "só se você me matar". 
Cansada, ela respirou fundo, foi até a gaveta, tirou o revólver que era dele – da época que trabalhou como segurança – apontou e atirou. Ao invés da ponte, ela o mandou para debaixo da terra. 
Hoje, presa há 2 anos, suas clientes esperam ansiosamente pela sua saída da cadeia. Afinal, ninguém tira pelos como ela. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Numa ridícula cena pessimista


Alguém disse que no final tudo dá certo. Se não está certo, logo seu final não chegou. Me parece uma visão simplista demais. Mas, não deixa de ser bem otimista. A verdade é que às vezes o otimismo falha. Simplesmente ele para para descansar naquele cantinho da sala difícil de alcançar. Ali, naquela quina pequenininha que nem você, nem seu aspirador conseguem limpar completamente.
Parado naquele canto, ele parece bem menor do que quando está ao seu lado, disposto e sorridente. O bendito ali, não tem cor, nem é quente e desconhece a fé. Na quina, o otimismo está mais parecido com o pó que paira a sua volta.
Pensando que é preciso retirar o dito cujo dali, você se vê disposto a pegar a britadeira escondida debaixo do tanque, quebrar a parede e todos os canos detrás dela. Talvez, abrindo um buraco, ele nunca mais se canse e fique sempre de prontidão para os dias necessitados.
O problema é que sem o otimismo o pessimismo está de plantão. E, com aquela cara sádica te faz sofrer com a sujeira que a britadeira fará. A decoração já não será a mesma com um buraco na parede e os canos precisam ficar ali para levar alguma água para algum lugar.
Você desiste da britadeira. Decide tentar uma música. Quem sabe o otimismo não se anima a dançar? Mas parece que o pessimismo é o DJ do momento. As canções, mesmo as mais animadas, estão tristes, têm letras deprimentes ou ritmos melancólicos. Precisa de outra forma de se livrar dessa presença grotesca que não te deixa trabalhar, atrapalha o pensamento, faz com que nada tenha graça.
Decide então enfrentar o tal fulano. Era apelativo, mas sabia que seria o único jeito. Parado em frente ao espelho, você o encara. Como é feio, pensa. Cheio de rugas, olhos quase fechados, sorriso de alguém neurótico. 
Aí, olhando bem pra ele, você começa a pensar no ridículo daquela situação. O que os outros diriam se te vissem ali, enfrentando algo que você mesmo criou? Você seria internado ou “apenas” ridicularizado? Encarando o cúmulo daquela situação lamentável em que se encontra, você passa então a rir de si mesmo. Ri sem nenhuma noção do que fará para resolver todos os problemas, mas sabe que precisa rir ou vai pirar. 
Depois de alguns minutos, quando você olha o espelho novamente, vê outra cara. Ele voltou para rir de você. Com você. Porque a única frase simplista e verdadeira é saber que rir (ainda) é o melhor remédio - em qualquer situação (com otimismo ou sem ele).