sábado, 24 de abril de 2010

A outra história de Marco Pólo

Era desbravador – seja lá o que essa palavra queira dizer (nos dias de hoje, nada). Saía sem destino, sem futuro e cheio de esperança pelos mares a fora. Assim era a vida de Marco Pólo. Um homem que em mil duzentos e tantos resolveu viver a vida... desbravando.
E como desbravou! Chegou na China e descobriu que os olhos puxados eram, além de diferentes, evoluídos. Já tinha bastante gente por lá, a língua era estranha e com palavras curtas. Resolveu ficar e ver o que aquela gente comia, bebia, do que vivia.
Tem uma coisa de sua personalidade que poucos sabiam: Marco era lento. Meio lesadinho, até mesmo para época em que ninguém sabia muito. Ele demorava a entender as coisas e tudo devia ser explicado varias vezes. Inexplicavelmente, o povo chinês achou graça do déficit do moço e tudo foi praticamente desenhado até que aprendesse a se comunicar.
Por todo esse problema (mais o fato de ter se apaixonado por uma chinesinha muito gostosinha – nas palavras do próprio) acabou ficando mais tempo do que pensou (quase 20 anos ao todo).
Sem navegar, Marco era meio inútil e foi aprendendo a viver no país estranho. Pescar foi sua maior descoberta. Desenvolveu técnicas, aprendeu e comeu todo o tipo de peixe que poderia. Mas o que mais gostava na culinária local era de uma massa estranha que misturavam com legumes, frutos do mar e um molho escuro.
A massa era meio amarelada, chata e comprida. Era fascinado por aquilo. Falou com sua então mulher chinesa para que lhe ensinasse. Apaixonada pelo homem branco, ela começou seu maior trabalho na vida: ensinar Marco cozinhar. Era como ensinar uma porta a falar. Resignada, não desistiu.
Anos depois, ele aprendeu. Ficou tão feliz que passou a acreditar que nada mais o prendia ali. Precisava passar adiante a melhor coisa que já havia comido na vida. Decidiu ir embora.
Sua mulher chorava, pedia para que ficasse. Grávida de seu quarto filho (Marco era bobo, mas não santo) implorou e ele prometeu que votaria. E foi.
Voltou para Veneza onde mostrou a todos o que era uma boa massa. Virou um verdadeiro frisson da época. Mesmo sem a Internet, todos queriam saber a receita. Marco era um sucesso. Um verdadeiro desbravador de uma receita que não era dele. Mas quem se importava?
Bom, o resto do mundo se importou. Mesmo sem email, as notícias corriam – lentamente, claro. A China passou a odiar Marco Pólo. O governo da época lhe mandou o aviso (que só chegou uns 5 anos depois) de que ele era um ladrão da identidade chinesa e que nunca mais seria bem vindo.
Para não chocar o resto do mundo, os italianos mandaram que Marco ficasse por ali cozinhando, enquanto eles criavam outros molhos e temperos para fazer o melhor macarrão do mundo.
Marco nunca mais viu a mulher chinesa ou os filhos. Soube que as crianças cresceram detestando o pai e, ironicamente, eram alérgicos a glúten. Ficou mais chocado com a última informação – até porque não sabia o que tal palavra queria dizer.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Desaniversário

A família estava toda reunida. Tios, primos e amigos próximos. Todos juntos por um único motivo: ele. Aos 8 anos de idade já tinha a sensação de que não era o que gostaria. Já sabia o que viria... os parabéns, presentes bobos, desejos da boca pra fora. Tudo uma grande mentira, diria anos depois.
Mas, naquela idade, não tinha escolha. Sua tia (que o amava como um filho) preparou o evento e o bolo. Ah... o bolo. Talvez fosse ele o que mais doía seu coração infantil. Pão de ló recheado com camadas de leite condensado – aquele da moça (seu predileto) - e coberto com ameixas pretas que desenhavam o distintivo de teu time do coração. Dividir aquela maravilha era cruel demais para qualquer criança.
Sorrateiramente foi para rua. Encontrou amigos que jogavam bola e pensou: por que não? Estava todo engomadinho, camisa nova, sapato velho e um short qualquer. Nem ligou. Jogou, suou e gritou até que seu querido tio (a quem ele respeitava e obedecia como um pai) o chamou para a cantoria do ritual de passagem. Ele reclamou, choramingou, mas o tio o convenceu que algumas coisas são mesmo obrigatórias na vida. Um dia ele poderia fazer o que quisesse, sem dever nada a ninguém. Ele acreditou e foi dividir o distintivo do Santos.
Os anos passaram e em todo aniversário ele pensava que um dia ele não comemoraria. Essa era sua esperança a cada ano. Enquanto criança, não tinha jeito (lembrava o tio). Quando adolescente, percebeu que seus amigos contavam com essa desculpa para beber. Casado, sua mulher o esperava com bolo para que os filhos pequenos soprassem a velinha. Divorciado, sua namorada fazia o mesmo. Seus filhos queriam sua presença em jantares, em que raramente comia.
Anos e anos e ele nunca conseguiu. Hoje pensou em fazer diferente. Seria seu grito de liberdade, apesar dos rumores externos dos filhos e amigos. Talvez, no ano que vem voltasse a comemorar acompanhado. Nesse, não. Era chegada a hora da revolução.
Mas, ao mesmo tempo, sabia que amanhã nada disso faria sentido, pois hoje seria apenas mais um, dos muitos dias em que ficaria sozinho com seu copo de whisky. De repente, ficar só parecia um pouco tolo. Talvez valesse a experiência, mas no fundo, sentar no bar e bater papo (como num dia qualquer) também não lhe parecia mal - afinal, seu tio disse que faria o que quisesse, não lhe indicou a solidão.
Assim, pensando bem, ao invés de aniversário, ele comemoraria - com aqueles que sentassem a sua mesa - o seu desaniversário. Terá a mesma graça vivida em todos os outros dias. A mesa do bar seria o local. Um divã disfarçado, uma terapia em grupo e o consumo extremo de bebida, bobagem e risada (sem lembrar de uma data).
Enfim, seu tio tinha mesmo razão: ele podia.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A véspera

O dia que antecede é a véspera. O dia antes do amanhã tem título, provérbio, frase feita e desfeita. A ansiedade está implícita na data. Novos tempos, velhos conceitos, nova idade, novidade. Tudo no mesmo dia.
A véspera ousa ser mais interessante (as vezes) do que a data em si. As expectativas estão mais embutidas nela, do que no dia esperado. Ela tem um sabor mais interessante e apimentado. É o sonho e, por isso, pode ser maior do que a realidade indica.
Se chove, a esperança torce para ver o sol brilhar. Se está ensolarado, a chuva pode trazer prosperidade e fartura. A véspera supera temporal, calor seco ou frio úmido. É a espera programada de algo que não vai mudar apenas porque a data chegou (e ela sempre chega).
Viagens marcadas, namoros rompidos, idade parcelada, dia de vencimento, dia de pagamento, de nascimento, de médico, de exame, dentista ou casamento. A véspera é sempre impaciente, intolerante e indecente.
A paciência é a palavra que mais angustia o dia anterior. Na data prevista tudo é simples, raso e quase insignificante. O dia seguinte da data marcada é a prova de que nada muda de verdade - o que muda é o que está em volta. As pessoas, os pensamentos e a paisagem são diferentes se assim você desejar.
Se não conseguir enxergar isso, Nova York será apenas um lugar caótico que você demorou quase 10 horas para chegar; Paris, um lugar frio e com pessoas arrogantes; o casamento, um momento em que todos se fantasiam para celebrar o que um dia vai acabar; a conta azul é a cor que antecede a vermelha; e seu aniversário apenas a constatação de que você está vivo.
Duvido que valha pena ver dessa forma. Se o dia anterior tem até nome próprio (véspera), por que não dar valor para as datas da vida e transformar o seu jeito de olhar?

terça-feira, 13 de abril de 2010

A verdade não é crime

Há tempos existia uma lei em que promessas de amor, quando não cumpridas, poderiam dar cadeia, multa, pensão. É um pouco sádico, mas desilusão tem seu lado negro na força, não?
Pense em todos os amores que você teve na vida. Agora, lembre-se de todas as promessas que já ouviu (ou fez). Daquelas bem calorosas que fez você se arrepiar e chorar de emoção - afinal, acreditou que teria aquela pessoa para sempre ao seu lado. Nesse momento, veja toda a dor do rompimento com dinheiro no (seu) bolso ou através das grades. Não é ótimo? (pode soltar aquela risada maligna)
Promessas de amor nos lençóis (lembrando a música), em jantares a luz de vela, em conversas “francas”... Todos os momentos que faziam você ter certeza de que o “pra sempre” (finalmente) existiria. Momentos que faziam de você a exceção, e não a regra. Aí, tudo acaba. É mesmo um crime!
Quantas pessoas você poderia processar? Relembrar na frente de um juiz todas as conversas em madrugadas frias, os cartões e as cartas (que seriam suas melhores provas)... tudo! Surreal não?
Nem vou falar do crime de adultério. Muito mais sério, claro. Traiu? Vai em cana. Desculpa, a vida é assim: cruel. Hoje, a traição tem pena, mas é está declarada apenas ao bolsodo traidor. Quem trai pode chorar a perda de uma boa quantia em dinheiro (mensalmente até).
Coitados? Não sei. Honestidade é tudo nessa vida. Quer agir como uma pessoa solteira? Fique nessa condição. Foi um lapso no percurso doído (as vezes) do casamento? Fale a verdade e não conviva com a culpa.
Enfim, todos esses “crimes” são facilmente evitados pela verdade. Claro que, no auge da paixão, muita coisa imbecil e duvidosa é dita, mas – em geral – pode ser evitada. Um dos dois sempre vai acreditar naquela bobagem toda e se magoar no final. Se você (lá no fundinho) tem dúvidas de que aquilo não vai acontecer: não fale! Pronto.
A vida não é simples assim, claro. Não existe mais crime, não há regras, não há nenhuma prova relevante o suficiente que possa garantir alguma coisa. Mas a verdade (mesmo quando cruel) ainda é a melhor solução. Por isso, pratique!

domingo, 11 de abril de 2010

Esperança

Como se aprende a ter esperança? Quem transfere esse sentimento às pessoas? Não existe resposta para isso, claro. Mas eu ouso pensar em algumas ideias.
A esperança acontece quando não se vê mais solução. Quando a luz que há no final ainda não está clara o suficiente e temos de acreditar em algo. Não, não quero falar de morte ou religião. Estou falando de vida.
A esperança de que uma coisa muito boa pode acontecer com você é chamada de sonho. Nós só usamos essa palavra começada por “e” quando não acreditamos mais ser possível que algo aconteça – dando a ela (a palavra) uma conotação péssima e triste (até).
Acho que ela merecia mais do que isso. A gente coloca a esperança no diálogo por ironia ou por dor. De repente, a palavra ficou feia no universo, quando tudo o que queria era mostrar que também representa desejos, pensamentos positivos, anseios, vontades...
A esperança quer estar no nosso dia-a-dia. Mas ainda é complicado lidar com ela. Afinal, esperar não oferece prazo e (o pior) traz insegurança quando mostra que pode ser que não aconteça (o que ninguém quer admitir). Então, as pessoas preferem apenas não pensar nisso. Fica mais simples.
Não dá pra desejar ter esperança. Mas também não se pode fingir que ela não está ali. A gente sabe... dá para encontrá-la escondida embaixo do tapete, do lado de fora da porta - prestes a tocar a campainha, no telefone que não toca, na frase não dita, no abraço não dado, no beijo que não aconteceu, nas desculpas veladas, no encontro no parque, na procura na livraria... Tudo tem esperança.
Dizem que ela é a última a morrer. Creio que é também a última a nascer (o que é uma pena). Não importa, desde que nos acompanhe (em algum momento) e mostre que até o que parece impossível, pode acontecer (e breve) - mesmo que seja a mega sena. Quem sabe?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

De

Dois garotos
Dois meninos
Dois amores
Duas vidas

Distantes gerações
Diferentes experiências de vida
Dois mundos
Duas cabeças

Debates em mesas de bar
Decepções verbais
Declarações sem sentimento
Discussões sem fundamento

Desejos silenciosos de reparação
Deixados de lado
Com denominador conhecido
Decretado amor

Dois garotos iguais
Dois meninos iguais
Dois amores recíprocos
Duas vidas parecidas em pensamento, teimosia e afeto.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O cretino

A vida tem seu lado sacana, de humor irônico. Murphy se encarrega das peças mais cruéis e odiosas do nosso dia-a-dia. Teórico maldito (sem exagero).
Nada acontece na sua vida até que... todas as coisas acontecessem ao mesmo tempo. Nenhuma festa, nenhum convite para jantar, até que todo mundo decide organizar eventos para o mesmo dia e no mesmo horário.
Infelizmente, os problemas também levam a tal teoria a sério. O banco te liga no mesmo dia em que você é demitido; você fica doente na semana que o trabalho mais depende de você.
O mesmo acontece no trânsito: a fila de carros ao lado anda mais, até que mudamos de faixa. No supermercado é a mesma coisa. No restaurante, a demora da conta só acontece quando você tem pressa... Tudo isso, em uma lista sem tamanho.
Mas a verdade é que Murphy foi um jovem alucinado por coisas erradas. Invejoso e mesquinho torcia para que todos a sua volta tivessem problemas com amor, dinheiro ou família. Sozinho, não tinha amigos. Não gostava de ninguém e ninguém gostava dele (claro). Ficava num canto do recreio da escola observando tudo que dava errado e passou a perceber que era possível existir uma bola de neve de complicações. Quanto mais pensava, mais se divertia a respeito, soltando aquelas risadinhas malignas. Era um adolescente rancoroso, triste e infeliz.
Ele cresceu assim. Apesar de uma pessoa má, era também inteligente o bastante para colocar sua teoria em prática. E mais do que isso: fazer com que ela ficasse conhecida e seu nome fosse repetido a cada problema consecutivo. E, como num passe de mágica, assim foi. A teoria virou obrigação, tendência, moda... sabe-se lá!
Murphy criou um muro de lamentações eterno, apenas por perceber que a cada reclamação nossos problemas tentem a piorar. Quanto mais reclamamos, mais sofremos com eles, gerando mais problema - num ciclo vicioso. E aí, o que seria apenas uma teoria cretina (de um moleque maldoso) vira castigo.
Por isso, o jeito é ignorar os problemas e tentar enxergar o lado bom das coisas (mesmo quando parecer impossível). E... Murphy que se dane!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Viver e editar

Se viver não é fácil, conviver é ainda pior. Nascemos em uma família que não escolhemos (ou, para os espíritas, escolhemos). Passamos, boa parte da vida, obrigados a acordar, sorrir, chorar, comer e dormir ao lado de estranhos que chamamos de pai, mãe, irmãos, primos, tios e avós.
Mas, como adultos, não precisamos mais disso. Muitas vezes aceitamos e até cuidamos por pura obrigação. Raras vezes temos o prazer de estar ali, realmente. Aí, passamos a valorizar cada vez mais a família que escolhemos: o amigo nosso de cada dia.
Fui criada de forma diferente. Fui educada para ter, reconhecer e acreditar em amigos. Amigos que te ouvem, te ajudam e dão conselhos sem pedir nada em troca. E aí, com sorte (e essa sorte eu tive na vida), você pode chamá-los de pai, mãe e irmão - sem errar. Simplesmente, porque os escolheu para um (raro) convívio fácil, sincero e verdadeiro.
Mas dentro de uma família com estrutura comum, na maioria das vezes, a criança cresce e vê que ninguém é realmente aquilo que era. Enxerga a ganância que não via, a raiva, a falsa bondade, a ingratidão (tão bem guardada - como diria Cazuza). Diante de tudo isso, fica mais difícil crescer. É mais duro.
Ah... se a gente pudesse editar os capítulos ruins da vida. Editar pessoas, brigas, vozes, choros, passagens... Ficaríamos apenas com as boas cenas, a bela fotografia, o lindo texto. Alguns diriam que isso faria a vida ser sem graça, mas eu não creio.
Enfim, não dá pra querer tudo. Por isso é preciso agradecer os amigos/família que se tem (e que se ama) profundamente, torcendo para que todas as pessoas consigam ter um pouquinho dessa riqueza – porque esse é o tipo de coisa que mega sena nenhuma dá, só a vida mesmo.