Certo dia ela se
levantou e pensou: não quero mais ser eu. Decidida partiu para algumas decisões
e implementações. Faria a governança da sua própria mudança.
Primeiro ato.
Mudanças de coisas simples. A antiga morena de cabelos compridos, seria agora
loira platinada com cabelos bem curtos. Seu cabeleireiro não acreditava e ela
logo avisou: “haverá muito mais”.
Segundo ato. Roupas
e sapatos. Ficou em dúvida se preferia ser periguete ou executiva. Pensando em
prós e contras, ficou com a segunda opção. Ela podia ser outra, mas não
conseguiria mudar de cérebro. Melhor manter uma certa bagagem. Por isso, nada
mais largo ou meio hippie. A partir de agora só roupas clássicas e saltos muito
altos. Terninhos coloridos, camisas, bolsas Vitor Hugo. Tudo que sempre detestou,
agora faria parte de sua personalidade.
Terceiro ato. Endereço
e carro. Precisava sair do bairro. Não tinha mais a cara dele, já foi um custo
entrar no prédio com o cabelo e as roupas novas. Encontrou um no Itaim,
perfeito – nem sabia que o bairro tinha árvores. Depois, na concessionária, deu
uma investida e saiu com um carro um pouquinho melhor, mas prata. Era mais
chique, acreditava.
Quarto ato.
Trabalho. Não faria mais o que faz. E não poderia trabalhar em casa. Precisava
de algo corporativo. Conseguiu. Entrou na área de marketing de uma grande
empresa, em que ninguém a conhecia.
Quinto ato.
Hábitos. Agora faz academia no novo bairro e não mais yoga. Conhece todos os
bombados e bombadas do lugar. Virou também vegetariana e não bebe mais cerveja.
Futebol, na nova vida, nem pensar! Agora nem ouve mais os resultados da rodada e
quando vê alguém comemorando um gol olha feio, e pensa “coisa de maloqueiro”. Também
decidiu parar de ler romances e literatura. Adeus Gabo, Vargas Llosa e Isabel
Allende. Agora, só livros focados em marketing, estratégia e dinheiro. Foco.
Sexto ato. Amigos.
Avisou da mudança. A maioria rejeitou, disse que estava louca. Decidida, gritou
que quem não entendesse não seria mais seu amigo. Perdeu quase todos.
Paciência. Faria novos.
Sétimo ato.
Namoros. Todos cancelados. Como era uma nova pessoa podia eliminar seu passado
amoroso (que não era muito glorioso mesmo) e começar um novo. Mas... como há um
tempo estava cansada disso tudo. Decidiu que seria apenas profissional. Daria
mais certo.
Oitavo ato. Choro. De
volta para o espelho ela se viu atrás da maquiagem pesada, os cabelos loiros e
a camisa listrada que usava. Ainda estava ali. Ainda era ela. A mesma louca,
apaixonada, hippie, anarquista, politizada, diferente, amante de futebol,
leitora, infantil, chorona, amiga, risonha, briguenta... ela estava ali. Estava
apenas travestida de outra mulher que carregava seu mesmo nome e sobrenome.
Nono ato. O
despertador toca a música escolhida da noite anterior: Could You Be Loved. Joe
Cocker canta, ela acorda, se levanta num salto e se olha no espelho. Estava
ali. Mais morena do que nunca. Mais mulher do que antes. Mas a mesma.
Décimo e último
ato. Na varanda. Olha o bairro que tem a sua cara. Sim, talvez esteja tudo
errado. Sim, talvez o caminho escolhido não tenha sido o melhor. Sim, devia tentar ser
menos tirana consigo mesma. Sim, devia ser menos louca, às vezes. Mas... ainda
era melhor ser ela. A mesma mulher de sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário