quinta-feira, 8 de março de 2012

A mesma de sempre


Certo dia ela se levantou e pensou: não quero mais ser eu. Decidida partiu para algumas decisões e implementações. Faria a governança da sua própria mudança.
Primeiro ato. Mudanças de coisas simples. A antiga morena de cabelos compridos, seria agora loira platinada com cabelos bem curtos. Seu cabeleireiro não acreditava e ela logo avisou: “haverá muito mais”.
Segundo ato. Roupas e sapatos. Ficou em dúvida se preferia ser periguete ou executiva. Pensando em prós e contras, ficou com a segunda opção. Ela podia ser outra, mas não conseguiria mudar de cérebro. Melhor manter uma certa bagagem. Por isso, nada mais largo ou meio hippie. A partir de agora só roupas clássicas e saltos muito altos. Terninhos coloridos, camisas, bolsas Vitor Hugo. Tudo que sempre detestou, agora faria parte de sua personalidade.
Terceiro ato. Endereço e carro. Precisava sair do bairro. Não tinha mais a cara dele, já foi um custo entrar no prédio com o cabelo e as roupas novas. Encontrou um no Itaim, perfeito – nem sabia que o bairro tinha árvores. Depois, na concessionária, deu uma investida e saiu com um carro um pouquinho melhor, mas prata. Era mais chique, acreditava.
Quarto ato. Trabalho. Não faria mais o que faz. E não poderia trabalhar em casa. Precisava de algo corporativo. Conseguiu. Entrou na área de marketing de uma grande empresa, em que ninguém a conhecia.
Quinto ato. Hábitos. Agora faz academia no novo bairro e não mais yoga. Conhece todos os bombados e bombadas do lugar. Virou também vegetariana e não bebe mais cerveja. Futebol, na nova vida, nem pensar! Agora nem ouve mais os resultados da rodada e quando vê alguém comemorando um gol olha feio, e pensa “coisa de maloqueiro”. Também decidiu parar de ler romances e literatura. Adeus Gabo, Vargas Llosa e Isabel Allende. Agora, só livros focados em marketing, estratégia e dinheiro. Foco.
Sexto ato. Amigos. Avisou da mudança. A maioria rejeitou, disse que estava louca. Decidida, gritou que quem não entendesse não seria mais seu amigo. Perdeu quase todos. Paciência. Faria novos.
Sétimo ato. Namoros. Todos cancelados. Como era uma nova pessoa podia eliminar seu passado amoroso (que não era muito glorioso mesmo) e começar um novo. Mas... como há um tempo estava cansada disso tudo. Decidiu que seria apenas profissional. Daria mais certo.
Oitavo ato. Choro. De volta para o espelho ela se viu atrás da maquiagem pesada, os cabelos loiros e a camisa listrada que usava. Ainda estava ali. Ainda era ela. A mesma louca, apaixonada, hippie, anarquista, politizada, diferente, amante de futebol, leitora, infantil, chorona, amiga, risonha, briguenta... ela estava ali. Estava apenas travestida de outra mulher que carregava seu mesmo nome e sobrenome.
Nono ato. O despertador toca a música escolhida da noite anterior: Could You Be Loved. Joe Cocker canta, ela acorda, se levanta num salto e se olha no espelho. Estava ali. Mais morena do que nunca. Mais mulher do que antes. Mas a mesma.
Décimo e último ato. Na varanda. Olha o bairro que tem a sua cara. Sim, talvez esteja tudo errado. Sim, talvez o caminho escolhido não tenha sido o melhor. Sim, devia tentar ser menos tirana consigo mesma. Sim, devia ser menos louca, às vezes. Mas... ainda era melhor ser ela. A mesma mulher de sempre. 

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