quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Prece estranha

Então, ele ficou preso. Uma explosão o deixou ilhado embaixo da terra. Não, ilhado não seria a palavra, mas segue como linguagem figurativa. Ilhado ou enterrado vivo, que é muito mais forte e agressivo.
Ele e mais 32 companheiros de luta. Homens com variadas idades, variados tipo de vida. Homens que, como ele, estavam ali para ganhar dinheiro. Apesar de toda a terra acima deles, estavam vivos. Falando, discutindo, chorando suas lamúrias pessoais. Não viam luz há tantos dias, que quase não lembravam mais de um céu azul, a não ser que se esforçassem – quase não o faziam para não terem emoções fortes em meio a tantos maltrapilhos e maltratados personagens.
Já ele, quando soube que a luta para tirá-los de lá moveu um país inteiro e comoveu o mundo, se chocou. Era muito para ele. Muito mais do que esperava e do que queria. Apesar de ilhados e enterrados estavam também completamente expostos. Um contra-senso de toda aquela situação. Suas vidas vasculhadas por repórteres - sabe Deus de onde. Para esquecer cantavam o hino, queriam saber do futebol e prometiam amor eterno a suas mulheres. Suas lindas e fiéis mulheres. Já ele... nem tanto.
Embaixo da terra rezava todos os dias para que sua mulher nunca descobrisse a verdade. Chorava baixinho, pedia para que sua família o perdoasse por amar outra mulher. Mas sabia que seria impossível. Sua amante era calorosa demais, expressiva demais, emocional demais para não gritar pelas ruas que o amava e que o queria vivo. Não que ele fosse muita coisa, mas ela sabia que mesmo não sendo muito, ele era dela. E era mesmo.
A cada dia, que mais parecia uma noite eterna pós-apocalipse, ele pedia para que todos ficassem calmos e que Deus saberia o que fazer. Repetia isso, tentando ouvir a si mesmo – o ateu da família virou um pastor, que poderia ser do inferno, considerando onde estava. Mas, no fundo, queria mesmo que Deus resolvesse sua vida. Não queria que ninguém sofresse. Ainda mais por ele... que não valia muito. Tinha plena noção disso. Era o tipo de homem que sabia de sua insignificância no mundo, mas (para constar) mantinha uma arrogância típica.
Os dias passaram e ele se viu não querendo mais sair dali. Ao mesmo tempo, precisava saber se o sol ainda brilhava. Foi com essa sensação que entrou na cápsula. Subiu tantos metros que mais parecia uma minhoca cavoucando um espaço na terra fofa. Lá em cima, viu o dia e muitas pessoas. Todas aplaudindo, chorando emocionadas. Entre elas um rosto conhecido. Como havia imaginado, ela estava ali. Naquele momento soube que sua vida realmente seria outra e com outra mulher. No fim, tinha valido a pena aquele sufoco todo e não precisou resolver nada. Estava tudo resolvido. Deus tinha mesmo feito sua parte.

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