terça-feira, 4 de maio de 2010

Quase Geni

Ela tem mais de 50 anos. É sozinha no mundo, na vida. Não fosse por sua companheira Susie (a cachorrinha), estaria só e mal acompanhada. Talvez fosse mesmo louca – como muitos do bairro falavam entre dentes – mas não era surda, só não ligava. Vivia do seu jeito.
Ria, falava alto e conversava com pessoas variadas. Se habituou a reclamar da saúde, das pessoas. Não era uma mulher feia. Longe disso. Estava sempre muito bem vestida com seu shortinho curtíssimo (independente do clima) e seu top decotado. Podia até ser motivo de risadas pelo bairro, portarias e mesas de bar, mas nenhum homem diria que não tinha um corpo bonito.
Sabia que todos os olhares mesclavam pena e sarcasmo. Menos um. Sentado na mesa do bar (onde nunca fora chamado) todos os finais de semana, um homem, na casa dos 70 anos, fumava, bebia steinheger e caipirinha (ao mesmo tempo). Era casado, sujo, porco, pai de família e dono de um pássaro que tratava como se fosse cachorro.
Ela passava pelo bar todos os dias. Era seu caminho. Conhecia muitos dos que sentavam ali, mas nunca se sentou. Ficava de pé, na calçada, conversando com as pessoas que lhe davam atenção.
Naquele dia, contava sobre a dor que sentia no ombro e o tratamento que fazia. Ele, o porco, olhava e (literalmente) se lambia enquanto ouvia. Nunca falava nada, nem comentava. Mas, inspirado, dessa vez quase gritou: “Eu queria ser sua tendinite”.
A mesa ficou em choque. O bar parou. Todos esperavam a reação dela, que apesar de louca, não era burra. Se fez de desentendida e, quando começaram a rir da situação, bateu em retirada.
Em casa, pensou na situação e sorriu. Foi amante de tantos homens, viveu tanta coisa... Mas, definitivamente, nunca deitou com nenhum que não quisesse, e essa era uma das coisas de que mais se orgulhava. Podia ser louca, mas tinha pudores, desejos, anseios e afeições. Preferia morrer de tendinite crônica a ficar com homem tão nojento.

2 comentários:

Keux disse...

Como diz a letra: a donzela tb tem seus caprichos!rs
bjkss

Anônimo disse...

Fiquei com pena da cachorrinha e do passarinho, talvez, por conhece-los tão bem...
Ficou lindo e relativamente cruel.
Te beijo.
eupias.