terça-feira, 20 de abril de 2010

Desaniversário

A família estava toda reunida. Tios, primos e amigos próximos. Todos juntos por um único motivo: ele. Aos 8 anos de idade já tinha a sensação de que não era o que gostaria. Já sabia o que viria... os parabéns, presentes bobos, desejos da boca pra fora. Tudo uma grande mentira, diria anos depois.
Mas, naquela idade, não tinha escolha. Sua tia (que o amava como um filho) preparou o evento e o bolo. Ah... o bolo. Talvez fosse ele o que mais doía seu coração infantil. Pão de ló recheado com camadas de leite condensado – aquele da moça (seu predileto) - e coberto com ameixas pretas que desenhavam o distintivo de teu time do coração. Dividir aquela maravilha era cruel demais para qualquer criança.
Sorrateiramente foi para rua. Encontrou amigos que jogavam bola e pensou: por que não? Estava todo engomadinho, camisa nova, sapato velho e um short qualquer. Nem ligou. Jogou, suou e gritou até que seu querido tio (a quem ele respeitava e obedecia como um pai) o chamou para a cantoria do ritual de passagem. Ele reclamou, choramingou, mas o tio o convenceu que algumas coisas são mesmo obrigatórias na vida. Um dia ele poderia fazer o que quisesse, sem dever nada a ninguém. Ele acreditou e foi dividir o distintivo do Santos.
Os anos passaram e em todo aniversário ele pensava que um dia ele não comemoraria. Essa era sua esperança a cada ano. Enquanto criança, não tinha jeito (lembrava o tio). Quando adolescente, percebeu que seus amigos contavam com essa desculpa para beber. Casado, sua mulher o esperava com bolo para que os filhos pequenos soprassem a velinha. Divorciado, sua namorada fazia o mesmo. Seus filhos queriam sua presença em jantares, em que raramente comia.
Anos e anos e ele nunca conseguiu. Hoje pensou em fazer diferente. Seria seu grito de liberdade, apesar dos rumores externos dos filhos e amigos. Talvez, no ano que vem voltasse a comemorar acompanhado. Nesse, não. Era chegada a hora da revolução.
Mas, ao mesmo tempo, sabia que amanhã nada disso faria sentido, pois hoje seria apenas mais um, dos muitos dias em que ficaria sozinho com seu copo de whisky. De repente, ficar só parecia um pouco tolo. Talvez valesse a experiência, mas no fundo, sentar no bar e bater papo (como num dia qualquer) também não lhe parecia mal - afinal, seu tio disse que faria o que quisesse, não lhe indicou a solidão.
Assim, pensando bem, ao invés de aniversário, ele comemoraria - com aqueles que sentassem a sua mesa - o seu desaniversário. Terá a mesma graça vivida em todos os outros dias. A mesa do bar seria o local. Um divã disfarçado, uma terapia em grupo e o consumo extremo de bebida, bobagem e risada (sem lembrar de uma data).
Enfim, seu tio tinha mesmo razão: ele podia.

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