quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Segredo de carnaval

Seu trabalho era, para muitos, uma vergonha. Na época, uma pouca vergonha. Mas ela mantinha um certo orgulho de si própria. Afinal, não teria como se sustentar não fossem as noites na maior casa de prostituição da cidade. Aquele tipo chique.
Cidade pequena, com boca pequena. Todo mundo sabia o que fazia, mas poucos homens a tinham visto como um todo (digamos assim). Era preciso bastante dinheiro para tal. Quem viu, nunca mais esqueceu. Essa era sua promessa.
Seu número naquele pequeno cabaré com símbolo duvidoso, era formidável (gíria da época). Dançava como ninguém e nem precisava se esfregar em barra de ferro para fazer a cabeça dos homens. Tinha toda a flexibilidade que precisava para chamar a atenção deles.
O ápice da noite ficava por conta da troca de roupas. Mudava de vestido, de cor, de modelo em uma fração de segundos e a olhos vistos. Ninguém sabia como. Todos se intrigavam, perguntavam... mas esse segredo guardava a sete chaves.
Seu outro segredo chamava-se amor. Queria muito sentir e, principalmente, que alguém sentisse por ela. Sonhava com um príncipe que a tirasse daquele lugar e a deixasse ser dona de casa, mãe, esposa. Sem números.
E como num conto de fadas, esse segredo se revelou e ele apareceu. Se encantou com a dança, com a troca de roupas, mas se apaixonou mesmo foi pelo sorriso da moça. Gostava tanto que lhe entregou um anel. Ela mal acreditou. Sairia dali sem nenhum remorso. Não, não era um tormento o que fazia, mas já estava cansada, e havia alguém que lhe amava. Aceitou.
De família tradicional, o moço precisava casar na igreja. Ela rejeitou, avisou que seria muito difícil mentir assim. Mas cedeu. Convidou um amigo da noite para entrar com ela no palco mais difícil de sua vida. Nunca tremeu tanto. Tantas noites tirando tudo e rodopiando não ajudaram em nada. Claro - não tinha nenhuma experiência com vestidos brancos.
Quando finalmente em casa, agradeceu a família que construiria. O passado será esquecido com o tempo. Ou quase.
30 anos depois, a televisão mostra a comissão de frente da Unidos da Tijuca. Sua memória estalou. Estava ali, na sua frente, o seu número secreto. Não se atreveu a fazer nenhum comentário - nunca na frente dos filhos. Mas sabia que alguém, em algum lugar, se lembraria de ter visto aquilo em uma casa noturna chique, num número feito por uma mulher que era um sucesso.
Assistindo a apuração da quarta-feira de cinzas, sorria com prazer a cada 10 da escola. Seu segredo se manteve bem guardado: virou enredo e ganhou o carnaval.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ficou de arrepiar, assim...quase divino.
Beijo e parabéns.

Eupias, eu sei.