sexta-feira, 10 de junho de 2011

Inocência

Ela só tinha 4 anos. O que sabemos quando temos 4 anos? Talvez tudo, mas ainda não temos noção disso. Por isso, ela ia para escola brincar. Não havia muito mais o que fazer. Uma letra aqui, um número ali... não mais que isso. Tinha certeza que estava na escola para fazer amigos, conhecer outras pessoas, brincar. Então, aproveitava.
Levava a sério o conceito de novas amizades. Ria muito e batia em alguns garotos para defender seus amigos. Levava uma boneca especial para a classe. Ela ia na mochila. Era com ela que ficava na hora da soneca. Não gostava de dormir sozinha. Era gostoso abraçar alguém... e, se demorava a dormir, podia fazer carinho no cabelo da boneca, cantar baixinho só pra ela ouvir...
Mas, um dia as coisas mudaram. Ela estava jogando bola com uma amiguinha e um menino veio dizer que aquilo era coisa de garoto! Ela ficou uma fera! Disse que era menina e que podia fazer o que quisesse, inclusive, jogar bola. E ele ficou rindo e dizendo que ela era um menino! Apontava o dedo e gritava: “Você quer ser menino, você quer ser menino!”
Ela ficou muito brava e começou a chorar. Na raiva, não teve dúvida, foi para cima do mini-idiota que ria dela! Afinal, ela não queria ser menino, só queria jogar futebol! Levantou o braço e sentou a mão no chato. O soco foi tão forte que ele começou a chorar e chamou a “tia”.
Depois, os dois levaram a maior bronca e tiveram de ficar sentados sozinhos para “conversar” enquanto todo mundo brincava no pátio. Era a regra da classe: quem briga tem de fazer as pazes conversando. Então, ele sentou de um lado e ela do outro. Ela estava na bronca. Nem olhada para a cara do garoto irritante. Ficou ali, alisando o cabelo da sua boneca e pensando: “quanto tempo será que ainda temos aqui?”
Ele ficou brincando com o próprio pé. Balançava e olhava para o tênis como se estivesse vendo um ET. Em algum momento, ela olhou para ele e viu que ele olhava para ela. Ela baixou a cabeça. Em seguida, olhou de novo e ele, ainda olhando, perguntou: “Você quer jogar bola?” E ela, esquecendo tudo o que aconteceu, disse: “Aqui?” Ele: “É”. Ela: Mas “a professora vai brigar”. Ele: “Mas ela não está aqui”. Ela: “Tá bom!” E começaram a chutar uma bolinha de borracha que acharam na classe.
No dia seguinte, a menina já chegou na escola e perguntou ao novo amigo: "Joga comigo hoje?” Ele: “Claro, até trouxe a minha bola!“ E jogaram. E todos os dias passaram a ter a mesma companhia, a mesma bola. Às vezes, brigavam, mas era só porque ela nunca queria jogar no gol, nessa hora dizia que era menina... Ao contrário do que poderia acontecer, ele entendia.
No aniversário dele, ela pediu para sua mãe comprar uma bola, sabia que ele gostaria. E assim continuavam a jogar e brincar. Um dia, sua mãe perguntou porque ela gostava tanto do João, e ela disse: “Ele é meu namorado, mãe! Claro que gosto dele!”
Nesse dia, ela foi falar com o João, precisava esclarecer essa história. Falou: “João, o que você acha de trocar de colher comigo?” Ele: “Trocar?" Ela: “É! A partir de hoje você come com a minha colher e eu como com a sua”. Ele: “Por quê?” Ela: “Porque assim a gente namora”. Ele, dando de ombros: “Tá bom!”
A partir de então, a união estava selada e sacramentada.

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